A sociedade empresária em crise econômico- financeira, que tem deferido o pedido de processamento da recuperação judicial, recebe uma proteção ao ver suspensas as ações e execuções nas quais figura no polo passivo, pelo prazo improrrogável de 180 dias. Todavia, na maioria dos casos, esse prazo tem se demonstrado insuficiente para que a sociedade empresária possa negociar o plano de recuperação com seus credores, visando superar suas dificuldades e restabelecer uma vida saudável.
Após a abertura do mercado nacional e, principalmente, com a globalização e o enorme progresso econômico brasileiro na última década, o mercado financeiro e de capitais interno passou por grande transformação, afetando, obviamente, as empresas nacionais. Nesse contexto, resta claro que uma legislação falimentar eficiente e atualizada é fundamental para que as sociedades empresárias e os empresários em crise contem com soluções previsíveis e eficazes para terem chance de recuperação e, assim, cumprir sua função social, gerando emprego e renda.
Com mais de sete anos de vigência da Lei nº 11.101, de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, é possível observar com maior propriedade os pontos que devem ser alterados para atender a realidade.
Assim, o artigo 6º da lei merece ser revisado, eis que estabelece o prazo improrrogável de 180 dias de suspensão das ações e execuções contra o devedor, a contar do deferimento do processamento da recuperação judicial, restabelecendo, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.
Isso porque o termo “improrrogável”, por vezes, demonstra-se inadequado na aplicação prática, deixando a lei de cumprir com um de seus principais objetivos: a preservação da empresa. Nesse contexto, encontra-se em trâmite no Senado Federal o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 248, apresentado pelo senador Eduardo Amorim, com o propósito de alterar o artigo 6º, parágrafo 4º, da Lei nº 11.101, estabelecendo a possibilidade de prorrogação desse prazo de suspensão de todas as ações e execuções em face do devedor.
Em que pese o texto de lei vigente, os tribunais pátrios já vêm admitindo a prorrogação do prazo de 180 dias, desde que justificado. Assim, por exemplo, a Câmara Reservada do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), ao julgar agravo de instrumento nº 990.10.309438-7, manteve a decisão do juiz de origem, que deferiu a prorrogação das ações e execuções em face da recuperanda Têxtil Cryb, até a data de aprovação do plano de recuperação judicial.
Determinados aspectos da norma merecem ser revisitados
Esse ativismo realizado pelo Judiciário demonstra com clareza que, infelizmente, o texto de lei, ao valer-se do termo “improrrogável”, encontra-se distante de colaborar com o reerguimento da empresa, demonstrando que a intenção do legislador ao presumir que esse prazo seria suficiente foi equivocada.
Dessa forma, o PLS nº 248, acertadamente, visa a alterar o dispositivo legal, adequando-o aos casos práticos. A motivação apresentada pelo senador indica que a doutrina e jurisprudência (inclusive do Superior Tribunal de Justiça) vêm adequando a lei de acordo com a realidade fática dos casos. Ademais, menciona-se que ao determinar o prazo improrrogável de 180 dias, o legislador presumiu que este seria o tempo razoável e suficiente para que o plano já tivesse sido votado, o que já se demonstrou nem sempre corresponder à realidade.
Também no direito estrangeiro o prazo de suspensão das ações é adequado para a fiel concreção da recuperação da empresa. A atual legislação falimentar brasileira foi fortemente influenciada pela legislação norte-americana sobre o tema, principalmente a parte concernente à reorganização de empresas, como o chapter 11 do “bankruptcy code” norte-americano, figura análoga à nossa recuperação judicial de empresas.
A legislação norte-americana, assim como a legislação brasileira, prevê a suspensão das ações e execuções contra o devedor, o chamado “automatic stay”, e, idêntico ao artigo 6º da Lei nº 11.101, busca dar fôlego para que a empresa recuperanda negocie o plano de recuperação com credores e, assim, possa atingir o objetivo pretendido com a reorganização.
Pela legislação norte-americana, a distribuição do pedido de reorganização acarreta a suspensão, estendendo-se até o cumprimento do plano de recuperação, prevendo ainda determinadas exceções e a possibilidade de afastamento do “automatic stay”, a pedido do credor, em determinadas situações.
Atualmente, o PLS nº 248 ainda se encontra em trâmite no Senado Federal, mas juntamente com a doutrina e a jurisprudência, deixa evidente que a prorrogação desse prazo já vem sendo aceita em prol das sociedades empresárias e empresários que almejam sua recuperação.
Em resumo, a edição da Lei 11.101 representou uma enorme evolução para o direito falimentar brasileiro e, após mais de sete anos de vigência, o objetivo principal do legislador de preservar a empresa vem sendo alcançado. No entanto, determinados aspectos da lei, como a improrrogabilidade do prazo de 180 dias, merecem ser revisitados. Projetos de alteração da lei como o PLS nº 248, que visam a atualizar e adequar a lei à realidade empresarial, merecem ser aplaudidos.
Autores: André Motoharu Yoshino e Pedro Cordelli Alves
Fonte: http://www.valor.com.br (03/10/2012)