logotipo TMA Brasil
logotipo TMA Brasil
lupa

Agonizante, Agrenco tenta cartada para sobreviver

Capa

Michael Bishop, diretor-executivo da Agrenco, trading de commodities em recuperação judicial desde 2008, trava uma luta solitária. Em um escritório praticamente vazio, no 7º andar de um edifício comercial no Itaim Bibi, bairro nobre da capital de São Paulo, o CEO tenta tirar do papel um plano capaz de finalmente resgatar a empresa do limbo e evitar a venda de suas unidades industriais.

Além de encontrar uma maneira de a Agrenco pagar sua dívida, estimada em US$ 1,6 bilhão, Bishop precisa convencer o mercado de que a empresa superou sua história de promessas descumpridas, acusações de fraudes e planos fracassados ( ver matéria abaixo). E essa pode ser a tarefa mais difícil.

Bishop assumiu o comando da Agrenco em dezembro, depois que o antigo CEO, Fernando Lauria, e o diretor financeiro, Leonardo Coelho, renunciaram após poucos meses no cargo. Três conselheiros também deixaram a empresa, que no fim do ano demitiu 85% de seus funcionários.

O executivo garante que encontrou um caminho. A saída seria um acordo “em fase final de negociação” com um grupo de “seis ou sete” grandes produtores rurais de Mato Grosso e um fundo de investimento estrangeiro, cujas identidades são mantidas em sigilo. “Posso dizer apenas que são os maiores produtores de soja do Brasil. Esse grupo tem um patrimônio pessoal líquido de quase R$ 5 bilhões”, garante Bishop.

Basicamente, os sojicultores processariam parte de sua produção na unidade de Alto Araguaia (MT), que possui uma capacidade de esmagamento de 3 mil toneladas diárias. Em troca, receberiam, além da parte das receitas geradas pela operação, direito a uma subscrição futura de ações da Agrenco Limited — a holding que controla a empresa em recuperação judicial no Brasil. A operação seria financiada pelo fundo de investimento, que teria como garantia o patrimônio dos agricultores.

Segundo o executivo, com a retomada das operações, paralisadas desde novembro passado, a empresa voltaria a gerar caixa e os papéis da companhia se recuperariam, permitindo à Agrenco acessar a linha de crédito de R$ 130 milhões que a companhia tem com o fundo Global Yield Fund Limited (GEM) e concluir a segunda unidade da companhia, em Caarapó (MS), com capacidade para processar 2,5 mil toneladas diárias. “Juntas, as unidades podem faturar bem mais de R$ 1 bilhão”, calcula.

O empréstimo com o GEM, aprovado no ano passado, em assembleia geral de credores, condiciona a liberação dos recursos ao preço dos certificados de depósitos de ações, os BDRS, negociadas na Bm&fbovespa. Como os papéis desabaram desde então, o acesso ficou limitado. “Dos R$ 130 milhões, conseguimos sacar pouco mais de R$ 40 milhões, mas o dinheiro ainda está disponível. Basta que as BDRS se valorizem”, afirma Bishop.

A princípio, os sojicultores matogrossenses entrariam no negócio como pessoas físicas. “A tendência é que suas empresas fiquem fora, mas isso ainda não está definido”. Também não estão concluídos o modelo jurídico do plano, os preços a serem pagos pela matéria-prima, o tamanho da participação dos agricultores na receita e quem vai gerir a operação, mas a promessa é que o acordo seja oficializado ainda em março.

No mercado, há enormes desconfianças sobre a existência de um acordo com os produtores. Isso porque a Agrenco comunicou o negócio — como se tivesse sido fechado — apenas dois dias antes de os credores votarem uma proposta que obrigaria a empresa a vender suas duas fábricas para pagar dívidas.

A votação acabou em um “empate técnico”. Segundo a Lei de Falências, é necessário que a proposta seja aprovada por credores que representem mais da metade da dívida da empresa e, cumulativamente, pela maioria simples dos votantes. Esse critério vale para duas classes de credores: as com garantia geral e os quirografários.

Pelo critério do valor, a proposta passou pelas duas classes. Em termos do número de votantes, houve a aprovação por parte dos primeiros, mas um empate no caso dos credores sem garantia. Com isso, a decisão está agora nas mãos de um juiz. Entre os credores, o novo acordo com produtores anunciado por Bishop soou como um blefe com o único objetivo de ganhar tempo, apurou o Valor.

Bishop assegura que o plano é firme. “O que aconteceu foi uma coincidência. Na mesma semana da assembleia, fiz a reunião muito positiva com os produtores e representantes dos fundos. A ideia era fechar tudo antes”. De todo modo, acrescenta, “as chances de o plano sair do papel são enormes”. O CEO afirma que o acordo com os agricultores será firmado mesmo que a justiça aprove a proposta de venda das fábricas. “Podemos recorrer da decisão ou, simplesmente, levar uma nova proposta de recuperação aos credores”.

Antes de vencer a batalha com os credores, no entanto, Bishop terá de enfrentar uma disputa dentro do próprio grupo Agrenco. As subsidiárias brasileiras que estão em recuperação judicial são controladas diretamente pela Agrenco NV, subsidiária da Agrenco Limited, com sede na Holanda.

E, com a falência já decretada em seu país de origem, a Agrenco NV não teria interesse em brigar pela sobrevivência das unidades industriais no Brasil. Comandada por um síndico da massa falida, o objetivo da empresa agora é se desfazer das fábricas para que as subsidiárias brasileiras possam pagar suas dívidas e voltar à suas atividade iniciais de armazenamento e comercialização de soja.

Entre os credores, o conflito ficou explícito após Bishop pedir o afastamento de Thomas Felsberg, advogado que estava conduzindo a recuperação judicial da empresa, sob a alegação de que ele não estaria mais representando os interesses da Agrenco. No entanto, Bishop também depende de uma decisão judicial para conseguir afastar Felsberg, uma vez que o advogado responde à Agrenco NV e não às subsidiárias brasileiras sob seu comando.

“Estamos com a corda no pescoço, em cima de um banquinho”. A metáfora, usada por Bishop para definir a situação da empresa, pode ser estendida também à sua posição na companhia. Se levado a cabo, o plano que prevê a venda das fábricas inclui também seu afastamento do cargo.

Uma história marcada por contratempos e desconfianças

A Agrenco foi criada em 1992, com sede em Paris, pelo empresário brasileiro Antônio Iafelice, um trader de commodities que ocupou a presidência de grandes empresas do segmento. O ápice da companhia no país ocorreu em 2007, quando a empresa captou R$ 666 milhões em uma oferta pública inicial (IPO) de recibos de ações, os chamados BDRS, na Bm&fbovespa.

Com o dinheiro, a companhia pretendia pagar dívidas e financiar a sua expansão, que incluia a construção de três processadoras de soja em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná para a produzir farelo, biodiesel e cogeração.

O calvário da empresa começou em 2008. Em junho, Iafelice e outros 30 executivos da Agrenco em São Paulo e Santa Catarina foram presos pela Polícia Federal na Operação Influenza, que investigava crimes de fraude e lavagem de dinheiro. Em 2010, a Justiça considerou ilegais as escutas telefônicas feitas na operação e rejeitou as acusações contra Iafelice.

Em meio aos problemas com a Justiça, o estouro da crise financeira global agravou ainda mais a situação. A companhia chegou a iniciar negociações com o grupo francês Louis Dreyfus e recebeu ofertas de compra da Noble, de Hong Kong, e da suíça Glencore, mas as negociações não avançaram. Pressionada pelos credores, a empresa entrou com um pedido de recuperação judicial em agosto de 2008.

Quase um ano depois, os credores aprovaram a venda de ativos e um acordo com a Glencore para a operação das plantas de Alto Araguaia e Caarapó, mas a parceria fracassou por desentendimentos entre as duas empresas. As operações foram paralisadas em novembro de 2011.

Atualmente, apenas 30 funcionários — o mínimo necessário, segundo Bishop— dão conta das atividades administrativas e dos seis armazéns que a empresa têm arrendados em todo o país.

Com uma estrutura organizacional em esquema de cascata, é difícil precisar qual a participação dos principais acionistas hoje. O próprio Bishop reconhece que, dada a complexidade da holding, desconhece a participação dos controladores.

As empresas em processo de recuperação judicial no Brasil são a Agrenco do Brasil, a Agrenco Serviços de Armazenagem, a Agrenco Administração de Bens e Agrenco Bioenergia. Acima delas, está a Agrenco NV — que já teve sua falência decretada na Holanda —, que se reporta à Agrenco NC. No topo, encontrase a Agrenco Limited, cujos BDRS são negociados na Bm&fbovespa.

Autores: Gerson Freitas Jr. e Natalia Viri

Fonte: www.valor.com.br (12/03/2012)

Newsletter

Tags

# (1)
#CPR (1)
Agro (2)
Case (2)
Coesa (1)
crise (2)
CVC (1)
EUA (1)
Fiagro (1)
Light (7)
MEI (1)
OAS (1)
Outros (27)
Paper (2)
STJ (2)
TJ-SP (1)
TMA (1)
Varejo (2)
Chat on WhatsApp