Entre grandes empresas, as do setor são as que mais recorrem à antiga concordata; no geral, pedidos triplicaram neste ano
Antes mais restrita a companhias de grande porte, proteção contra credores se "populariza" e chega a empresas menores
Empresas exportadoras ligadas ao agronegócio brasileiro, como frigoríficos, usinas de álcool e produtores agrícolas, são as companhias de grande porte que mais apelaram neste ano à recuperação judicial, mecanismo de proteção contra a execução de dívidas por credores, que substituiu a concordata após a Lei de Falências, de 2004.
Neste ano, até o final de maio, 300 empresas de diferentes segmentos recorreram à recuperação judicial -o triplo dos pedidos de 2008. Segundo levantamento da Serasa feito para a Folha, na amostra há 18 frigoríficos ou empresas do setor de carnes e derivados, 11 produtores agrícolas e 10 usinas de álcool, entre outros setores .
Juntos, esses segmentos somam 39 empresas e representam metade do faturamento anual das 300 que buscaram proteção contra credores.
Em comum, essas empresas se beneficiaram do boom no preço de commodities até meados de 2008 e tiveram de se endividar para manter um ritmo frenético de investimentos, compatível com uma promessa que depois foi abortada pela crise. São companhias que dependem quase que integralmente das vendas a alguns dos países mais prejudicados pela recessão, sendo que muitas perderam triplamente: com preços, em quantidades vendidas e por prejuízos financeiros com hedge [proteção] cambial.
"Essa pesquisa mostra onde a crise bateu mais forte: nos exportadores. Tivemos um surto de quebras de usinas de álcool e de exportadores de carne. Por quê? O Brasil é o maior exportador de carne do mundo. Os frigoríficos tinham passado por um processo de consolidação e profissionalização para ganhar escala. As usinas vislumbravam vender álcool para o mundo inteiro. Quando o petróleo saiu de US$ 140 e desabou para US$ 50, todo aquele embasamento que fazia com que investissem se desmontou", disse Marcio Torres, gerente de análise de crédito da Serasa.
Empresas menores
Criada pela Lei de Falências para ajudar empresas a se reerguerem, a recuperação judicial "estreou" em julho de 2005, com a adesão da Varig. Como a economia entrava em um ciclo virtuoso, poucas empresas tiveram interesse no mecanismo. Para os críticos, a regra havia sido criada só para resolver o problema da companhia aérea e dificilmente chegaria a empresas de menor porte.
O levantamento da Serasa mostra que a recuperação judicial chegou a pequenas empresas -180 companhias com faturamento anual de menos de R$ 2,5 milhões deram entrada no pedido em 2009. Porém, as empresas grandes, com receita de mais de R$ 50 milhões, respondem por 85% do volume financeiro envolvido no processo. As 180 menores não chegam a 5% desse volume.
Para especialistas, a recuperação judicial ainda é um processo caro, que envolve a contratação de inúmeros profissionais especializados e de mediadores para fechar acordo de credores em torno da retomada de uma empresa.
"A crise foi o grande teste. As empresas passaram a entender mais os benefícios da recuperação judicial. E os advogados também. A maior dificuldade ainda é cultural. [Muitos empresários] não soltam o osso nunca, até que já é tarde demais [para recuperação]. É difícil crescer nesse mercado, mas estamos conseguindo", disse Eduardo Lemos, presidente da TMA Brasil, associação que reúne profissionais dedicados à recuperação de empresas.
Autor: Toni Sciarreta
Fonte: Folha de são Paulo (14/06/2009)