Tem-se mostrado crescente o interesse na aquisição de ativos de empresas em recuperação judicial. Com efeito, essa pode ser uma excelente oportunidade de negócios tanto para os compradores quanto para as recuperandas/vendedoras.
Aos compradores, a transação se mostra interessante pelo valor dos bens, pela rápida transferência de propriedade ou por motivos comerciais particulares aos contratantes. Às empresas vendedoras, a conveniência decorre do próprio artigo 50, XI da Lei nº 11.101, de 2005 (Lei de Falência e Recuperação ou LFR), que estabelece, dentre inúmeras e exemplificativas formas de recuperação judicial, justamente a venda parcial de bens.
É comum, contudo, surgirem dúvidas sobre a legalidade e eficácia desse tipo de operação e acerca dos riscos de sucessão assumidos pelos adquirentes sobre o passivo das empresas vendedoras.
O processamento da recuperação judicial, além de não prejudicar o cumprimento dos negócios jurídicos firmados pelas recuperandas - exceto se disposto contratualmente de forma contrária, e dependendo de circunstâncias específicas de cada caso -, não impede que elas continuem gerindo seus negócios. Assim, na maioria dos casos, os administradores das recuperandas permanecem na condução das atividades sociais, agora sob fiscalização de um administrador judicial nomeado pelo juiz.
Em princípio, as empresas em recuperação judicial não sofrem restrições para alienação de bens de seu ativo circulante, especialmente se demonstrarem inexistir impacto negativo às suas atividades ou aos credores, mas estão impedidas de dispor de bens de seu ativo permanente, sob pena de ineficácia do negócio jurídico, conforme previsto no artigo 66 da LFR.
Porém, há duas exceções a essa regra restritiva: (i) alienação de bens mediante autorização judicial, após oitiva do comitê de credores e/ou do administrador judicial, em virtude da demonstração da utilidade do ato no âmbito da recuperação; ou (ii) previsão de venda dos ativos no próprio plano de recuperação judicial, destacando-se, nessa hipótese, a possibilidade de criação de uma unidade produtiva isolada (UPI), que, em síntese, representa uma parte ou um bloco dos bens tangíveis e intangíveis e das atividades da recuperanda, que, adquirida por terceiro, permitiria ao adquirente prosseguir ou desenvolver tais atividades empresárias.
Toda a operação deve ser conduzida segundo a Lei de Recuperação
A venda de bens mediante autorização do juiz ou por previsão no plano de recuperação judicial, desde que respeitados os trâmites e os propósitos da LFR, deve ser suficiente para afastar alegações de ilegalidade ou ineficácia da transação, mesmo no caso de falência posterior ao pedido de recuperação judicial pela sociedade empresária (artigo 74 da LFR), especialmente se não tiver sido alienado estabelecimento comercial completo, caso em que poderia haver discussão a respeito, dependendo da forma adotada.
Contudo, ao contrário da hipótese da venda de UPI (artigo 60 da LFR), na mera aquisição de bens esparsos do ativo permanente da recuperanda - seja mediante autorização do juiz (artigo 66 da LFR) ou por previsão no plano de recuperação judicial aprovado -, não há previsão legal expressa afastando a sucessão entre adquirente e recuperanda.
Também ainda não há em doutrina e jurisprudência um posicionamento claro pela inexistência de sucessão por quem adquire ativos (não constantes de UPI) de empresas em recuperação judicial. Assim, parece-nos contribuir à defesa da ausência de sucessão a previsão do negócio no plano de recuperação judicial aprovado, do qual inclusive pode constar expressamente a exoneração dos adquirentes quanto a obrigações anteriores das recuperandas.
O legislador buscou facilitar a alienação de ativos de empresas em recuperação judicial, possibilitando sua reorganização, e o risco de sucessão fatalmente afasta interessados, de forma que seria interessante haver expressa isenção de tal risco na LFR, não apenas com relação à unidade produtiva isolada.
Quanto a esta, o Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou constitucionais os dispositivos da LFR (Adin nº 3.934/DF e RE 583.955/RJ) que autorizam a alienação de ativos via UPI sem gerar sucessão aos adquirentes, conferindo maior segurança jurídica à hipótese, e o próprio Código Tributário Nacional (artigo 133) já incorporou norma de ausência de sucessão fiscal pelo adquirente de filial ou UPI em processo de recuperação judicial.
Todavia, especialmente nas instâncias ordinárias, ainda se encontram decisões judiciais reconhecendo a sucessão entre as recuperandas e as empresas adquirentes de ativos, principalmente em matérias fiscal e trabalhista, mesmo em casos de UPIs.
Assim, para que seja legal a negociação com empresas em recuperação judicial, e para diminuir os riscos de sucessão, é importante que toda a operação seja conduzida segundo os mecanismos previstos na própria Lei de Falência e Recuperação, tomando-se os cuidados devidos desde a fase negocial até o momento da efetiva alienação/aquisição dos ativos.
Autores: Luiz F. Fraga, Felipe Galea e Thomaz Sant'Ana
Fonte: http://www.valor.com.br (20/07/2012)