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Assembleia de acionistas e de credores

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Na atual conjectura do ordenamento jurídico empresarial, observa-se uma grande variedade de leis que não obstante suas especificidades nos levam a considerar hipóteses controversas em que a interpretação aliada à segurança dos interesses do desenvolvimento econômico prevalece sob pena de se dispensar o desenvolvimento de grandes companhias.

Assim, o grande jurista francês François Gény em 1899 asseverou com propriedade que "o direito é coisa muito complexa e móvel para que um indivíduo ou uma assembleia, ainda que investidos de autoridade soberana, possam pretender fixar de uma só vez os preceitos de modo a satisfazer todas as exigências da vida jurídica." É nesse preciosismo técnico de Gény que se pode retirar uma importante polêmica da análise comparativa de dois diplomas legais atualmente em vigor, quais sejam, a Lei nº 6.404, de 1976 e a Lei nº 11.101, de 2005 no que tange a figura das assembleias nelas positivadas. Não padece de dúvidas ser a assembleia um dos braços mais importantes para que a companhia, como um organismo vivo que é, possa tomar decisões para o desenvolvimento de suas atividades empresariais. Por outro lado de forma inédita na legislação falimentar, a Lei nº 11.101, de 2005 previu a instauração da assembleia geral de credores quando da recuperação judicial da sociedade empresária, de modo a garantir a maximização do principio cotejado no artigo 47 desse diploma.A controvérsia existente reside nas deliberações competentes a cada uma das assembleias (de acionistas e de credores) quando uma companhia estiver em processo de recuperação judicial. O plano de recuperação judicial apresentado pela companhia em crise certamente acarretará numa discussão da assembleia geral de credores, que conforme o artigo 35 da Lei nº 11.101, de 2005, poderá intervir consideravelmente na reestruturação desta, prevendo formas de reorganização tais como cisão, incorporação, fusões dentre outras previstas no rol exemplificativo do artigo 50 da lei falimentar. Como conciliar a competência da assembleia geral de credores com as competências da assembleia geral de acionistas fixadas pelo artigo 122 da Lei nº 6.404?

O prevalecimento de uma das legislações importaria em redução do poder de administração e controle necessário à companhia em crise? Assim, no caso de uma cisão proposta como meio recuperatório, a que órgão competiria deliberar sobre tal questão, a assembleia de acionistas ou a de credores? E na hipótese de um dissenso, qual vontade restaria prevalecente? Importante salientar, inicialmente que a companhia em recuperação judicial não perde sua autonomia organizacional e muito menos se tem desnaturado o seu quadro societário, de modo que a assembleia de acionistas continua a existir a prevalecer nas relações internas da sociedade. Entretanto, existe um direito acima dos direitos internos que deverá ser observado. Trata-se do direito pertencente à coletividade a ser resguardo nas relações privadas não só pelo Poder Judiciário, quando da recuperação judicial da companhia, mas também pelos próprios administradores e acionistas que compõem aquela sociedade. Seria fácil concluirmos que a decisão atinente aos meios recuperatórios tomadas em assembleia geral de credores deveria prevalecer em face das deliberações tomadas em assembleia de acionistas.

Afinal, o instituto da recuperação visa antes de tudo o desenvolvimento econômico como a preservação da atividade de empresa garantindo-se a tutela dos direitos constitucionais e mantendo-se hígida o tão aclamado bem-estar social. No entanto, a ineficiência de uma leitura simplesmente técnica não garantiria a eficácia necessária a encorajar a iniciativa privada. O clamor desenfreado pela ampla participação de todos na reestruturação de grandes companhias mostra-se uma importante ferramenta de combate a prática abusiva até pouco tempo ainda mais corriqueira nos tribunais. Por outro lado, a não equalização desta participação com a vontade dos verdadeiros responsáveis pelo conhecimento técnico do funcionamento da companhia levaria a uma falsa recuperação.

Se assim se permitisse, do que adiantaria uma legislação enfim preocupada com o desenvolvimento empresarial? Do que adianta uma participação ampla de credores desprovidos de técnica de vivência empresarial, a garantir tão só um retardamento a decretação da falência? Acalmem-se aqueles demasiadamente preocupados em garantir a ampla participação e poder nas mãos de credores que não vivem diariamente a dinâmica de uma grande estrutura empresarial. A preocupação em garantir a aproximação de credores como meio eficaz de reestruturação não pode ir contra a própria efetividade buscada pela recuperação. Deve-se valorizar os órgãos de administração e eventuais conflitos devem ser estudados de forma conjunta com toda a transparência necessária e informação sob pena de se primar pela manifestação avassaladora e amadora de credores, desconsiderando-se uma estrutura de gestão empresarial já existente.

Talvez o conflito de interesses, agora positivado nesses dois tipos de assembleias, possa revelar útil para o fim de uma mentalidade ainda comum no Judiciário com defesas inacreditáveis aos consumidores e credores. Com certeza, fraudes e abusos das companhias devem ser combatidos, mas o interesse daqueles que diariamente vivem o objeto desenvolvido pela companhia deve ser levado em grande consideração, sob pena de se fazer letra morta a possibilidade de funcionamento da sociedade em recuperação e as normas positivadas na Lei nº 6.404. O poder de qualquer das assembleias não é soberano, mas a falta de perspicácia e humildade dos profissionais de direito podem acarretar, sem dúvidas, prejuízos e estes sim soberanos sobre o desenvolvimento econômico!

Autor: Scilio Faver, professor e advogado especializado em direito empresarial.

Fonte: Valor Econômico (30/06/2010)

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