Um caso recente de investigação interna sobre o vice-presidente financeiro da Usiminas, Ronald Seckelmann, mostra o grau de divergência que atingiu o alto escalão da siderúrgica mineira - e, em partes, ainda está em voga. Uma acusação de "falta de assiduidade" do executivo no cargo acabou desconsiderada pelo comitê de ética apenas dias depois de o ex-presidente da companhia, Rômel de Souza, ser destituído.
Além disso, após o colegiado decidir não aprofundar a discussão, funcionários diretamente responsáveis pela investigação que levou à acusação formal foram desligados da empresa depois de anos de serviços, em meio a um recente movimento de movimentação de diretores e gerentes.
A denúncia contra Seckelmann foi apresentada via canal aberto de denúncia da Usiminas. De acordo com a acusação, cujos documentos oficiais foram obtidos pelo Valor, o vice-presidente financeiro comparecia, muitas vezes, durante poucas horas ao escritório da empresa em São Paulo. O funcionário o chama de "cabeça de bacalhau", por nunca encontrá-lo no trabalho, e alega que o executivo "se esconde dos problemas e é avesso a subordinados".
Caso coincide com vários desligamentos de executivos e gerentes após a saída de Rômel de Souza da presidência
De acordo com uma fonte, o argumento de Seckelmann foi de que se reunia com órgãos financeiros. Outra pessoa com conhecimento do assunto, porém, disse que as acusações foram confirmadas por um funcionário próximo ao executivo, que denunciou uma rotina não ligada à siderúrgica e calculou em "no máximo quatro horas diárias" o comparecimento à companhia.
Em nota, a companhia disse que a apuração do caso foi rigorosa. "A Usiminas esclarece que, pela postura de transparência que mantém com seus públicos de relacionamento, disponibiliza um canal aberto para receber notificações internas e externas, de qualquer natureza", declara no texto. "No caso em questão, houve uma rigorosa apuração da denúncia que, ao final, foi desqualificada e encerrada pelo comitê de ética e conformidade da Usiminas. O tema foi discutido, ainda, no âmbito do conselho de administração, onde também foi considerado encerrado."
À época, o parecer da área jurídica da Usiminas recomendou que a jornada de trabalho do vice-presidente financeiro não fosse tema de debate, porque não é regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e sim pela Lei das S.A. Na bibliografia usada na questão, está grifada a parte que diz que de diretores estatutários muitas vezes se exige dedicação exclusiva à empresa.
"A área jurídica entende que os diretores estatutários da Usiminas, devidamente empossados, estão à disposição da companhia, 24 horas por dia, 7 dias por semana, não havendo nenhuma norma aprovada pela assembleia ou pelo conselho de administração acerca da carga horária", diz o parecer.
O caso coincide com uma série de desligamentos de executivos e gerentes que se sucederam à saída da Souza da presidência.
Cinco dias depois da decisão do comitê de ética, em 3 de abril, Cláudio Luna, então diretor de recursos humanos (RH) da Usiminas - que divide as investigações com as áreas de auditoria e segurança empresarial -, foi demitido com oito anos de casa.
No mês de abril, foi dispensado o responsável pela área de segurança, Leonardo Drumond. Passadas algumas semanas, em 25 de maio, foi a vez de Renato Bretas, gerente-geral de auditoria, ser desligado, com 20 anos na empresa.
Várias fontes alegaram que o julgamento do caso foi sendo postergado pelo responsável pela auditoria da siderúrgica, o presidente do conselho de administração, Elias Brito. Ele é conselheiro indicado pela Ternium, do grupo Techint, que divide o controle da empresa mineira com a japonesa Nippon Steel & Sumitomo Metal.
"Sempre há denúncias, mas a auditoria está subordinada ao conselho e muitas dessas denúncias foram bloqueadas", informou uma das pessoas consultadas. "A denúncia é registrada no canal aberto e, a partir desse momento, começa algum tipo de apuração. Nesse caso, foi quase um ano postergando o processo."
Brito foi também um dos membros do colegiado - ao lado de todos ligados à Ternium, aos empregados e aos minoritários - que votou pela destituição de Souza da presidência em reunião de 23 de março. A apuração referente a Seckelmann foi a voto do comitê apenas seis dias depois.
O comitê de ética é formado pelo presidente da Usiminas, os vices financeiro, comercial, industrial, de tecnologia e de planejamento corporativo - diretores estatutários -, além do diretor corporativo de recursos humanos e do gerente-geral jurídico.
Antes da destituição, portanto, Souza, nome de confiança da Nippon Steel, integrava o comitê como presidente e vice de tecnologia. Além dele, participavam o próprio Seckelmann - que foi declarado impedido na votação em questão por ser ele mesmo investigado -, Sérgio Leite - atual presidente, que substituiu Souza - como vice comercial; Túlio Chipoletti, como vice industrial; Takahiro Mori, responsável pelo planejamento; Cláudio Luna, ainda diretor de RH; e Bruno Lage, do jurídico.
Na reunião, Leite, Chipoletti e Lage votaram por acompanhar o parecer jurídico, absolvendo Seckelmann. Luna e Mori foram contrários, pois desejavam que o processo caminhasse. O Valor apurou que Souza, enquanto presidente, também votaria contra o parecer. Sem ele, o comitê teve maioria para amenizar a denúncia.
Aliados de Souza argumentam que Seckelmann foi coadjuvante na renegociação das dívidas e nas conversar para acessar o caixa da Mineração Usiminas (Musa), que evitaram uma recuperação judicial da controladora. Já aliados do novo executivo-chefe, Sérgio Leite, afirmam que a relação do vice financeiro com os credores na renegociação foi essencial. O acordo final de dívida foi assinado por Leite e o da Musa, por Souza.
Seckelmann está na Usiminas desde 2009 e já trabalhou na Klabin e no Bertin, tendo um histórico considerado muito positivo por participantes do mercado.