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Balanço da Lei de Recuperação de Empresas

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Quando a lei de recuperação de empresas e falências de 2005 foi concebida, sua estrutura tinha duas pernas. O devedor não seria executado por 180 dias, enquanto negociava com credores e buscava a aprovação de um plano de recuperação (a primeira perna); caso contrário, ele seria afastado e um administrador judicial, no interesse dos credores, recuperaria ou liquidaria a empresa (a segunda perna).

Designada pela lei como falência - nome infeliz, por derivar do latim "fallentia", falta, e "fallere", enganar; melhor seria denominá-la "recuperação sem o devedor" -, essa segunda perna permite que os ativos da empresa sejam vendidos logo após a decretação da falência. Pode-se desfazer de tudo como uma unidade em funcionamento, e transferir empregados, clientes, fornecedores e o intangível ao comprador livre de dívidas e obrigações.

Os credores são pagos com o supostamente expressivo preço de venda judicial, que refletiria a aquisição de uma empresa limpa, sem contingências, inclusive trabalhistas e fiscais.

Quando da elaboração da lei, essa perna parecia bastante eficaz no contexto brasileiro, em que empresas colecionavam passivos trabalhistas e fiscais astronômicos, desvinculados da capacidade de pagamento. Para que ela funcionasse, alterou-se a preferência dos pagamentos na falência, para que credores com garantias reais fossem pagos antes do Fisco. Pensava-se que tais credores teriam interesse econômico no processo de insolvência, garantindo sua higidez.

Há planos aprovados por entender-se não existir outras opções

Mas só a primeira perna, a da recuperação com o devedor, vingou. A outra não "pegou". Como resultado, vemos planos de recuperação aprovados a contragosto pelos credores, que acreditam não ter opção. Tais planos não funcionam por faltar confiança na empresa, tornando impossível captar recursos para recuperar-se.

Hoje, acadêmicos, advogados, juízes, consultores, auditores, bancos, comércio e indústria se unem para pensar como dar eficiência à "Lei Saci", devolvendo-lhe a segunda perna. Um dos impedimentos, creio, é cultural: os credores não se convenceram de que têm a responsabilidade pela recuperação - não pelas obrigações e contingências do devedor, mas das providências junto ao Judiciário e ao administrador judicial para a imediata venda dos ativos antes que seu valor se desintegre.

Por outro lado, entre as questões que demandam reforma, duas sobrelevam e ameaçam o progresso obtido com a lei: os créditos excluídos da recuperação e da falência e o Fisco. A lei exclui da recuperação, judicial e extrajudicial os adiantamentos de contrato de câmbio para exportação (ACCs) e sobre cambiais entregues (ACEs), e a alienação e cessão fiduciárias de bens e direitos. As razões das exclusões são válidas e conhecidas. ACCs e ACEs financiam o comércio exterior a um custo competitivo e subordiná-los à insolvência traria danos à economia. Alienação e cessão fiduciárias são garantias que contribuem para a expansão da concessão de crédito. Sujeitar tais créditos à recuperação e à falência - e, portanto, fazê-los concorrer com os demais credores e subordiná-los às decisões majoritárias - prejudicaria a expectativa de recebimento.

Entretanto, pelo incentivo econômico criado por essa exclusão, há um número crescente de casos em que grande parte dos créditos está excluída da recuperação e da falência. Assim, solucionar as questões é inviável por maioria - estamos regredindo e voltando às decisões por unanimidade, comuns antes da lei e burras em sua essência. Além disso, o objetivo da lei de falências - organizar o pagamento - se torna inatingível quando parcela substancial dos credores pode promover execuções individuais, levando à consequente perda de valor dos ativos.

O que se discute no momento é se não haveria um meio termo, no qual créditos excluídos pudessem ser incluídos, por deliberação de uma maioria qualificada de seus detentores, em voto separado, atribuindo-lhes uma situação privilegiada.

Finalmente, há as dívidas fiscais, excluídas da recuperação. A lei previu um parcelamento especial de tais dívidas e que não foi ainda criado. Falta também clareza sobre aspectos fiscais, inclusive relacionados à possibilidade de compensar perdas passadas com descontos concedidos pelos credores. Os próprios credores não têm uma definição de como apropriar perdas em processos de recuperação. Há ainda o vezo cultural de lavrar autos de infração contra empresas insolventes, um exercício caro e inútil que pode inviabilizar a recuperação.

Enfim, recuperar empresas de forma eficiente e rápida é indispensável em uma economia moderna. As técnicas jurídicas devem ser utilizadas para devolver a perna da recuperação sem o devedor à lei, e também robustecer a sua perna da recuperação com o devedor, permitindo que os ativos, o valor a ser distribuído, os empregos e a capacidade contributiva sejam preservados.

Thomas Benes Felsberg é fundador do escritório Felsberg e Associados e presidente do Conselho da TMA Brasil

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

 

Autor: Thomas Benes Felsberg

Fonte: Valor Econômico (30/12/2010)

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