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BNDES retoma repasses a obra da Andrade Gutierrez em Gana

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Após quase um ano com repasses congelados, um projeto da Andrade Gutierrez deve voltar a receber recursos da linha de financiamento a exportação de serviços do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES). Trata-se da construção de um corredor rodoviário em Gana. Esta é a segunda empreiteira que consegue a liberação de recursos para uma obra financiada pelo BNDES no exterior, após a suspensão dos desembolsos desta linha em maio de 2016, por conta dos desdobramentos da Operação Lava-Jato.

A primeira foi a Queiroz Galvão (QG), que em 28 de dezembro teve acesso autorizado a um repasse de US$ 145 milhões referente à construção de corredor logístico em Honduras, dos quais cerca de US$ 15 milhões já tinham sido desembolsados. A QG conseguiu também, agora, nova liberação referente a uma obra de desenvolvimento agrícola na República Dominicana, em um contrato de US$ 72 milhões. Neste segundo financiamento, US$ 13 milhões já tinham sido repassados quando houve a interrupção.

As duas empresas foram as que aceitaram, até agora, assinar um termo de compromisso ou "compliance", assegurando que naquele projeto que está sendo financiado com recursos do BNDES não há ato ilícito, como pagamento de propina para obtenção do contrato ou desvio do dinheiro emprestado pelo banco. Os países tomadores também têm que assinar o mesmo termo.

A liberação da Andrade Gutierrez foi aprovada em reunião de ontem da diretoria do BNDES e está condicionada à assinatura do termo de compliance que ainda vai ocorrer. A parcela do banco no projeto é de US$ 202,2 milhões. O financiamento havia sido aprovado em julho de 2013, mas os desembolsos tinham sido interrompidos em maio de 2016, quando US$ 65,3 milhões já tinham sido liberados.

Nesses empréstimos de exportação de serviços, explica o BNDES, o tomador dos recursos é o país contratante e o financiamento beneficia a empresa brasileira que presta serviço de engenharia e construção. Os repasses são feitos em reais, no Brasil.

Ao todo, 25 projetos que somam US$ 7,04 bilhões em financiamentos do BNDES tiveram os desembolsos congelados em meados de 2016, mesmo depois de aprovados. Até agora, três terão os desembolsos retomados e em um caso, de uma obra da OAS na Argentina, houve desistência por parte do tomador.

Segundo Ricardo Ramos, diretor do BNDES, esta aprovação é "emblemática" de como foi importante o banco divulgar os quatro critérios que está usando para a liberação ou não desses recursos na linha de crédito para exportação de serviços.

Um é o avanço físico da obra - quanto maior melhor para a liberação -, outro é o risco de crédito do importador - que pode ter mudado desde a aprovação do crédito -, o terceiro é o equacionamento das outras fontes de financiamento do projeto e, por fim, a assinatura do termo de compliance.

Embora a Queiroz Galvão não tenha firmado acordo de leniência com o Ministério Público Federal (MPF) nem com a Controladoria-Geral da União, a assinatura do termo do banco foi considerada suficiente para liberação do recurso.

Ramos explica que o termo foi estruturado em conformidade com um possível acordo de leniência que venha a ser assinado com o MPF, o mesmo valendo para o documento já assinado pela Andrade Gutierrez com a procuradoria.

Ramos explica que as cláusulas do termo assinado com o banco preveem que, caso se descubra que a empreiteira mentiu, todos os empréstimos a empresas do grupo econômico no BNDES terão vencimento antecipado.

A mesma consequência, considerada bastante grave, valerá em caso de rompimento do acordo de leniência já firmado ou que venha a ser assinado com o MPF.

Já na hipótese de ter havido pagamento de propina no contrato de exportação de serviço, e caso a empresa venha a reconhecer essa ilegalidade em um acordo de leniência, o banco afirma que a admissão não comprometerá operações futuras de financiamento do conglomerado no BNDES, mas vai resultar na suspensão de futuros repasses para o projeto específico "contaminado" - ao menos enquanto a beneficiada for a empresa corruptora.

O BNDES ressalta que, dentro da sua missão de banco de desenvolvimento, tem comprometimento com a conclusão dos projetos. Um exemplo disso seria o cuidado de não simplesmente executar garantias em todos os empréstimos-ponte concedidos para projetos de infraestrutura, o que resolveria o problema do banco, mas não das obras. Ramos afirma que o banco tem trabalhado, em todos os casos, para encontrar soluções que viabilizem os projetos. Entre os casos pendentes estão a concessão do Galeão e os recursos da Move São Paulo, consórcio responsável pelas obras da linha 6 do Metrô paulista.

No caso dos financiamentos a projetos locais, no entanto, há diferenças em relação aos repasses feitos no exterior. A primeira é que o financiamento externo é feito a um país, enquanto nos locais ele é feito à empresa. A segunda é que, no caso das obras locais, não houve interrupção de repasses que já estavam aprovados e em andamento.

Uma reclamação que existe entre as empresas é que muitas das que ganharam leilões de concessão em que estava previsto o financiamento com recursos do banco para o desenvolvimento do projeto não estão conseguindo obter os recursos, como era praxe até poucos anos atrás.

Segundo banco, as informações que constam de editais de licitação de concessões sobre financiamento do banco ao vencedor são vinculantes apenas no que se refere às condições, como percentual financiado e taxa, mas não à aprovação do crédito, que depende de análise técnica posterior, e não anterior ao leilão.

Ramos afirmou que a assinatura de acordo de leniência das empresas com o MPF é "muito bom" na perspectiva do banco e funciona como um "fator mitigador na análise de risco". "Mas não é a única coisa que eu vou avaliar."

Se algumas das empreiteiras ou de suas controladas com contratos de concessão não estão conseguindo tomar financiamento na instituição, isso tem relação com o enquadramento do projeto e da tomadora na avaliação de crédito da área técnica. A solução pode envolver revisão das garantias oferecidas ou da estrutura de capital do projeto a ser financiado.

No mercado global, os títulos de dívida emitidos pela Construtora Norberto Odebrecht, Odebrecht Finance e Odebrecht Overseas são negociados, na média, entre 42% e 47% do valor de face - quanto menor o percentual, maior a percepção de risco dos credores privados que negociam os papéis. No caso da Andrade Gutierrez, títulos que vencem em março de 2018 são negociados entre 91% e 93% do valor de face. Os papéis da OAS, em recuperação judicial, são transacionados entre 1,5% e 5,5% do valor de face.

Em relação ao risco jurídico, o BNDES já fez consultas formais à Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a liberação de créditos de bancos públicos a estas empresas. Na época, reportagem do Valor mostrou que o entendimento sobre a resposta da AGU foi o de que o parecer não obrigava ou autorizava a continuidade de concessão dos empréstimos, apenas indicava que a decisão de fazer isso ou não depende da avaliação dos próprios critérios do banco, caso a caso, de acordo com questões jurídicas e reputacionais, e também de análises econômico-financeiras das empresas.

No entanto, a própria titular da AGU, Grace Mendonça, em entrevista recente ao Valor, disse que o fato de não haver um acordo de leniência conjunto com os vários órgãos da administração traz insegurança jurídica.

A questão da insegurança jurídica é um fator que é avaliado, diz Ramos, dentro da análise de crédito. Em tese, poderia aumentar, na visão da área técnica, a incerteza sobre a capacidade de execução de obras e de pagamento da empresa que pede o empréstimos.

Se a empresa corre o risco de ser declarada inidônea, por exemplo, isso pode interferir na probabilidade de inadimplência do empréstimo concedido. Caso uma companhia que já firmou acordo de leniência seja obrigada a pagar uma multa adicional à Controladoria-Geral da União, isso também tem potencial de comprometer seu fluxo de caixa.

Ele explica, contudo, que isso sozinho não é suficiente para matar o crédito da empresa no BNDES. "Pela experiência que vem com os acordos, a cobrança é a prazo, ninguém vai cobrar uma dívida, seja qual for, à vista." São vários os fatores analisados em conjunto.

Um exemplo de não há restrição total aos contratos com empresas dos grupos envolvidos na Lava-Jato, segundo alguns interlocutores, seria a reestruturação de crédito de R$ 7 bilhões da Odebrecht Agroindustrial, feita em meados de 2016. Na ocasião, as ações da Braskem foram dadas em garantia aos credores e o BNDES era um dos principais envolvidos.

Autor(a)
Fernando Torres e Catherine Vieira

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