Os dirigentes da indústria de autopeças percebem que além do efeito devastador na atividade, a crise econômica tem deixado boas lições. Para Dan Ioschpe, presidente do conselho da Iochpe-Maxion e há cinco meses no comando do Sindipeças, a crise mostra que o modelo de crescimento do setor automotivo desenhado para o Brasil é insustentável porque depende excessivamente do mercado interno. Mas a internacionalização requer uma competitividade ainda não alcançada. Com a ajuda da Anfavea, que representa as montadoras, o Sindipeças vai pedir ao governo apoio para que a indústria local participe mais do desenvolvimento de componentes hoje importados, principalmente os eletrônicos, essenciais para a conectividade nos carros.
Se a crise não tivesse brecado o ritmo de crescimento na produção de veículos no país o setor enfrentaria problema de outra natureza, diz Ioschpe. Para ele, o país "relativamente fechado" atraiu a atenção de todos e grandes investimentos pela expansão do mercado doméstico. Quando a demanda encolheu à metade o problema veio à tona. O foco no mercado doméstico perdeu a força, diz, diante de uma taxa de juros extremamente alta, decorrente da situação econômica.
Para o presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes Automotivos a falta de competitividade não se limita à indústria. O problema abrange, afirma, a infraestrutura do país, a questão tributária, trabalhista, o custo de capital e a ausência de tratados internacionais, que reduziriam os impostos dos carros que chegam a outros destinos. "Um dólar acima de R$ 4 ajudou até a custear as ineficiências na exportação", destaca.
O déficit na balança de autopeças continua elevado, com previsão de superar os US$ 4 bilhões este ano. O resultado foi pior há dois anos, com US$ 9 bilhões negativos. Mas, segundo Ioschpe, essa queda se deve muito mais a uma retração da demanda, que levou a uma redução nas importações, do que a uma melhora no ritmo das vendas externas.
Embora o setor enfrente, como ele diz, uma crise gravíssima, por outro lado há perspectivas de recuperação, embora lenta: "Há uma revisão da expectativa em relação à direção do país, tem-se a sensação de que a governança fiscal será mais bem conservada e tratada no futuro, o que trará confiança aos agentes econômicos e à sociedade em geral."
Mesmo assim, nos seus cálculos somente em 2023 a produção do setor será capaz de recuperar o ritmo de 2013. Naquele ano 3,7 milhões de veículos saíram das fábricas do Brasil. Para 2016, previsões mais otimistas apontam para 2,3 milhões.
Dan Ioschpe, que tem no sobrenome uma letra a mais do que a empresa controlada pela sua família e da qual ele já foi presidente, parece medir as palavras quando dá entrevista. Seu estilo é de longe mais discreto que o do antecessor, Paulo Butori, que passou 22 anos no comando do Sindipeças. A seu modo, Ioschpe sabe, porém, alinhavar o raciocínio como poucos nessa indústria.
O grupo Iochpe-Maxion, uma empresa de capital aberto, é um dos poucos exemplos de grupos familiares que se mantiveram no Brasil e ainda expandiram atividade além da fronteira. A multinacional atua em diversos segmentos e é a maior fabricante de rodas de liga leve do mundo.
Nascido em Porto Alegre, Dan formou-se em jornalismo, mas buscou conhecimento em administração em cursos de pós-graduação. Fez carreira na empresa da família e ainda jovem assumiu a presidência no lugar do pai, Ivoncy Ioschpe. Aos 51 anos hoje, o executivo evita falar da vida pessoal. Prefere aproveitar o tempo para difundir as propostas da entidade que representa 460 empresas que, juntas, somam faturamento anual de R$ 66 bilhões - chegou a R$ 91 bilhões em 2011 - e que emprega 164 mil trabalhadores, 65 mil menos do que há cinco anos.
Mas ao mesmo tempo que lamenta a crise, Ioschpe diz que essa indústria ainda "não jogou a toalha" e que, embora o volume de recursos tenha recuado a um quinto do que foi há cinco anos, os investimentos não foram abandonados, o que ele considera "louvável" num momento como esse. Total de US$ 414 milhões deverão ser investidos no setor este ano. Há cinco anos foram US$ 2,4 bilhões.
"É claro que num momento em que trabalhamos com mais de 50% de capacidade ociosa investir em expansão é algo desnecessário e o crédito não está disponível", diz. Além disso, o Sindipeças calcula um número recorde de pedidos de recuperação judicial (30 empresas só este ano). Mas a necessidade de melhorar processos e desenvolver produtos puxará os investimentos", destaca.
As atenções do dirigente se voltam agora para os preparativos do programa automotivo que o governo pode lançar quando o atual chegar ao fim, em 2017. Criado em 2012, o Inovar-Auto reduziu impostos para empresas que investiram na produção de veículos. A fatia de carros importados, que beirava os 25% naquele momento, caiu para 13%.
Ele lamenta, porém, que o programa não tenha evitado a compra de peças de outros países. "O Inovar-Auto trocou a importação de veículos pela de autopeças", destaca. No pedido já encaminhado ao governo o Sindipeças defende que a indústria de autopeças receba o mesmo tratamento dado às montadoras em relação à concessão de estímulos para inovação.
O Inovar-Auto permitiu que parte dos impostos fosse utilizada para pesquisa e desenvolvimento. "Esperamos agora regras menos relacionadas a alíquotas tributárias e mais voltadas a segurança, emissões e conectividade dos veículos", diz. Para ele, isso ajudaria a alinhar o país à competitividade mundial. "Assim não vamos mais correr o risco de fazer um veículo ou uma peça com demanda limitada num único mercado".