Diante da profunda crise das incorporadoras, os certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) têm sofrido pouco na visão de especialistas. A estrutura de securitização, com a cessão de recebíveis e a possibilidade de atrelar garantias reais às emissões, tem contribuído para evitar um grande número de calotes.
Há, no entanto, perda da qualidade dos papéis, com rebaixamento da avaliação de crédito, e risco de renegociação de amortizações e de condições originais das emissões. Os investidores seguem com o sinal de alerta ligado, embora acreditem que o pior momento esteja prestes a passar. Ao mesmo tempo, uma das reclamações do mercado é a dificuldade de levantar informações sobre os papéis e de mensurar a real situação dos ativos atrelados a eles.
O caso atual mais emblemático é o da PDG Realty. A incorporadora, que emitia os CRIs por meio da PDG Securitizadora, fez em fevereiro pedido de recuperação judicial com dívidas de cerca de R$ 7,6 bilhões na holding.
A dívida relativa aos CRIs é estimada em cerca de R$ 1,3 bilhão. Agora, os detentores de diferentes emissões devem ser convocados para assembleia de investidores por conta do vencimento antecipado automático a fim de deliberar sobre os próximos passos.
O caso, no entanto, é visto como isolado e não dita necessariamente o ritmo que deve ser observado nos próximos meses. Os especialistas enxergam uma piora na qualidade dos ativos, com redução do fluxo de caixa em relação às amortizações, mas a maior parte não deve chegar ao calote.
"Há negociações de alongamento dos títulos para que o serviço da dívida seja menor, deixando a geração de caixa mais saudável em relação ao que se tem que pagar. Muitas vezes são providas garantias adicionais, como prevenção caso algo ruim aconteça", explica um grande investidor do ramo que preferiu não ser identificado.
Lucas Drummond, diretor da securitizadora Gaia, explica que a PDG foi um caso extremo e diz que o comum é passar pelo processo de repactuação em um momento de arrocho de crédito e queda da atividade. "Vemos a inadimplência aumentar desde o fim de 2014 em diversos segmentos, mas as operações estruturadas preveem gatilhos para renegociação, o que acaba criando um mecanismo de autorregulação", afirma.
Além disso, a composição do patrimônio afetado separadamente das demais dívidas blinda as emissões, pois tem o propósito específico de responder pelos direitos dos investidores.
Drummond diz que dentro da Gaia, dos R$ 8,8 bilhões de CRIs a vencer, 7,84% foram repactuados nos últimos seis meses em função da deterioração do crédito das companhias cedentes e devido ao aumento de inadimplência. Segundo ele, as emissões com mais repactuação foram as com perfil corporativo.
A construtora Moura Dubeux é um exemplo de perda de qualidade dos títulos, com corte no rating de crédito, mas que ainda não chegou no calote. No mês passado, a agência de classificação de risco Fitch reduziu o rating de debêntures e de CRIs da empresa para refletir a proposta de reestruturação de dívida com credores bancários. Essa proposta abrange R$ 293 milhões de dívida corporativa, carência de juros e principal, além de novas garantias e extensão do prazo do pagamento dos passivos.
"A Fitch entende que o objetivo desta estratégia é fortalecer o caixa para as operações da companhia e adequar os vencimentos da dívida a sua expectativa de geração de caixa, que tem sido afetada pelo fraco desempenho da economia", diz a instituição em relatório.
Outro caso de renegociação é o da OP Centro Administrativo, controlada da Odebrecht Properties Parcerias, devedora nos CRIs da 70ª série da primeira emissão da RB Capital. A empresa tenta reunir investidores para propor um reforço de garantia de financiamento imobiliário para evitar o vencimento antecipado. Como contrapartida, oferece 0,2% de prêmio sobre o saldo dos CRIs existentes.
Jayme Bartling, diretor sênior de operações estruturadas da Fitch no Brasil reconhece algumas reduções nos ratings, mas defende que são pontuais os casos com renegociação. A incidência disso acaba sendo menor nos CRIs pulverizados, que possuem carteira diversificada de créditos e com estrutura de subordinação.
"Não temos visto uma deterioração de forma genérica dessas carteiras. Revisamos muitas vezes, olhamos as carteiras com a preocupação de que os dois anos de recessão pudessem ter impactado a capacidade das pessoas de pagar a prestação da casa, mas não temos visto mudança muito grande nessa rota", afirma o especialista. "Por ser um bem familiar, existe um grande esforço dos consumidores para pagar as prestações. Além disso, quase toda carteira tem garantias em alienação fiduciária, o que permite a recuperação de parte do crédito inadimplente por parte dos investidores", disse Bartling.
As emissões feitas com estrutura de subordinação conseguiram absorver o impacto da inadimplência nas primeiras camadas, subordinada e mezanino, sem deixar chegar no título sênior, segundo Valdery Albuquerque, diretor do banco de investimento do Fator. "Não estamos enxergando default, mas as camadas de resistência foram bastante utilizadas. Isso não significa, no entanto, perda líquida e definitiva porque é possível reaver alguma garantia com alienação fiduciária", afirma.
"Dá trabalho reaver a garantia. Primeiro o gestor precisa estancar a sangria e depois recuperar os ativos. Achamos que o pior já está passando, não esperamos grandes problemas de crédito, mas seguimos em alerta", disse.
20-03-2017