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Cessão fiduciária de recebíveis na recuperação

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A lei 11.101/05, que disciplina a recuperação judicial e a falência da empresa, tem gerado controvérsias a respeito da cessão fiduciária de títulos de crédito e de direitos creditórios (conhecidos como "recebíveis") em garantia de empréstimos e financiamentos bancários, havendo se formado duas correntes de opinião: a maioria sustenta que a cessão de recebíveis não está sujeita aos processos concursais; a minoria afirma que excluí-los da recuperação e da falência do devedor-fiduciante importa em conceder odioso privilégio aos bancos em detrimento dos interesses dos demais credores.

É truísmo que o direito anda a reboque dos fatos, sobretudo em épocas de autênticas revoluções científicas, técnicas e tecnológicas, que fazem desaparecer antigas necessidades e anseios e surgir novas demandas e reclamos por bens e serviços, que exigem o aparecimento de mecanismos e expedientes legais aptos a atendê-los, como soe acontecer com a cessão fiduciária em garantia de recebíveis.

É truísmo, outrossim, que o acúmulo de ações e execuções judiciais de longuíssima duração e o fracasso na excussão dos direitos reais de garantia clássicos para satisfazer os direitos do credor pignoratício e do credor hipotecário, duas das mais notórias manifestações da crise da justiça, impuseram a recriação da fidúcia ou negócio fiduciário, sob diferentes formas, a saber:

(a) a alienação fiduciária em garantia de coisa móvel;

(b) a alienação fiduciária em garantia de coisa fungível;

(c) a propriedade fiduciária de coisa móvel infungível;

(d) a alienação fiduciária em garantia de bem imóvel;

(e) a cessão fiduciária de direitos decorrentes de alienação de unidades habitacionais;

(f) a cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis;

(g) a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito e

(h) a cessão fiduciária de recebíveis em garantia de empréstimos e financiamentos bancários.

Com efeito, logo após a promulgação da lei 4.728/65, que incorporou, ao direito positivo brasileiro, o instituto da alienação fiduciária em garantia de coisa móvel, a lei 4.864, também de 1965, com a finalidade de estimular a construção civil, criou, no art. 22, a cessão fiduciária de direitos decorrentes de alienação de unidades habitacionais, com o aplauso da doutrina pátria, vindo a lei 9.514/97, no art. 17, II, a instituir a cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis e, por fim, a lei 10.931/2004, a dispor sobre a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito (além de direitos creditórios, presentes e futuros, em se tratando de garantia constituída através de Cédula de Crédito Bancário, nos termos do artigo 31 da referida lei 10.931), todos institutos de Direito Econômico, que se distinguem pela clara finalidade de buscarem soluções técnicas, que atendam às exigências do mundo moderno, e de serem respostas prontas e eficazes às novas, crescentes e instáveis exigências de uma sociedade em vertiginosa transformação, sem suprimir ou esmagar os direitos individuais do cidadão.

Isto posto, adentrando na controvérsia, entendo que cessão fiduciária em garantia de recebíveis é a transferência, limitada e resolúvel, que faz o devedor-fiduciante ao credor-fiduciário, do domínio e posse direta, mediante tradição efetiva, de direitos creditórios oriundos de títulos de crédito próprios e impróprios ou de contratos em garantia do pagamento de obrigação a que acede, resolvendo-se o direito do credor-fiduciário com a liquidação da dívida garantida e a reversão imediata e automática da propriedade ao devedor-fiduciante uma vez satisfeito o débito.

Ocorrendo mora ou inadimplemento da obrigação garantida, o credor-fiduciário poderá, independente de anuência do devedor-fiduciante, exercer os direitos inerentes e decorrentes dos créditos cedidos, aplicando as importâncias recebidas no pagamento do principal da dívida, acrescido de juros compensatórios e moratórios, pena convencional, honorários de advogado e despesas de cobrança, devendo entregar ao devedor-fiduciante o saldo que houver, eis que, como assinala Melhim Namen Chalhub, "a cessão fiduciária e a alienação fiduciária são institutos similares, exercendo a mesma função de garantia do crédito e alicerçando-se nos mesmos fundamentos; enquanto na alienação, o objeto do contrato é um bem (móvel ou imóvel), na cessão o objeto é um direito creditório; em ambas, a transmissão do domínio fiduciário ou da titularidade fiduciária subsiste enquanto perdurar a dívida garantida", razão pela qual o tratamento legal da cessão fiduciária em garantia de recebíveis se orienta pelos mesmos princípios da alienação fiduciária em garantia de bens móveis e imóveis, aplicando-se-lhe, ademais, por interpretação extensiva e analógica, as leis 4.728/65, com a redação dada pela lei 10.931/2004; 4.864/65, e 9.514/97, além do Decreto-Lei 911/69.

Destarte, a lei 11.101/2005, ao referir-se, no art. 49, § 3º, a "proprietário fiduciário de bens móveis", e, no art. 85, a "proprietário de bem arrecadado", abrange tanto o proprietário fiduciário, que adquiriu essa qualidade por força de contrato de alienação fiduciária em garantia de bens móveis, quanto o proprietário fiduciário, que ostenta essa posição em decorrência de contrato de cessão fiduciária em garantia de recebíveis, ambos espécies de negócio fiduciário ou "venda para garantir" e institutos de Direito Econômico, que têm a finalidade precípua de servir de instrumentos, a serviço do Estado e dos particulares, do desenvolvimento econômico e social do país, daí serem regulados por princípios jurídicos próprios, que não seguem a ideia de justiça, mas de eficácia técnica, o que explica, justifica e fundamenta a sua exclusão dos processos de recuperação judicial e de falência do devedor-fiduciante.

 

Autor: Jorge Lobo

Fonte: www.migahas.com.br (11/03/2010)

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