A maior parte das empresas que usam o serviço são familiares, com médio ou grande porte, estão no ramo industrial e têm problemas com fornecedores e capital de giro
São Paulo - A sensação para o empresário pode ser comparada a de uma amputação: dolorosa, porém necessária. A opção pela reestruturação da empresa, mecanismo que procura recuperar firmas que perderam a saúde financeira e não conseguem se reerguer por conta própria, cresceu em meio à desaceleração econômica.
A demanda pelo serviço aumentou a ponto de, conforme apurou o DCI, algumas consultorias rejeitarem pedidos. "O que se comenta no mercado é que existam 38 mil empresas com dificuldade para pagar suas contas", apontou o presidente da Corporate Consulting, Luiz Alberto Paiva.
De acordo com ele, somente na Corporate, a procura pelo serviço aumentou 40% do ano passado para 2014 e, atualmente, a consultoria possui mais de 30 clientes ativos.
O processo de reestruturação começa com um diagnóstico da situação da empresa em crise, no qual é feita uma varredura nas áreas financeira e operacional da companhia, analisando os ativos e os passivos, os meios de precificação dos produtos, os contratos com fornecedores, entre outros.
Depois disso, avalia-se a possibilidade de recuperação da firma, em um processo que se estende por aproximadamente dois meses. "Existe um bocado de empresas que a gente vai analisar e elas já estão quebradas", observou Paiva.
Caso exista a possibilidade de recuperação, é traçada uma estratégia, que normalmente envolve vários setores da empresa, como administração, vendas e marketing, para definir um cronograma de ações para recuperação da companhia.
"A gente analisa a situação real da empresa e prepara um novo fluxo de caixa, com uma nova perspectiva", explicou o proprietário da Estratégia & Negócios, Fernando Hennemann.
O consultor afirmou que o mercado estagnou nos últimos seis meses, o que prejudicou as vendas de diversas empresas e aumentou a demanda pelo serviço de reestruturação. "É como se a semana tivesse quatro dias. Além disso, os bancos frearam nas concessões", comentou.
Médias e grandes
Segundo os executivos ouvidos pelo DCI, a maior parte das empresas que buscam a reestruturação são empresas familiares, de médio ou grande porte, e são do setor da indústria. "Em 110% dos casos o maior problema é má gerência", observou Hennemann.
Após o diagnóstico, a consultoria traça a estratégia para a reestruturação e pode, se a empresa optar, assumir interinamente o controle operacional e financeiro da companhia em crise até que ela esteja recuperada. O processo dura, em média, entre um e dois anos.
Segundo Hennemann, esse tipo de serviço não chega às pequenas empresas porque os credores não têm interesse em renegociar dívidas com valores menores, o que restringe a reestruturação às companhias de maior porte.
O sócio fundador da Global Trevo Consulting, Eduardo Peres, afirmou que, em sua carteira de clientes, os problemas mais comuns são descasamentos de prazos de pagamentos e recebimentos, o que prejudica a liquidez da companhia, e erros na precificação dos produtos comercializados. "A empresa, muitas vezes, vende com a precificação errada e trabalha sem margem", observou Peres.
De acordo com o consultor, embora no período da Copa a demanda pelo serviço tenha diminuído, os pedidos de reestruturação feitos na Global Trevo aumentaram de 2013 para 2014. "A gente tem visto muitas empresas reclamando da redução de margem operacional. Elas não estão conseguindo repassar os custos", afirmou.
Em alguns casos, a consultoria precisa tomar medidas mais drásticas, como corte de pessoal, para reduzir os excessos. "Muitas vezes, se retira as pessoas que levaram a empresa à situação em que ela se encontra", afirmou Hennemann.
Paiva ressaltou que a perda de controle financeiro é um dos problemas mais frequentes entre as corporações que procuram a consultoria. "Os gestores não organizam os pontos de risco, a companhia perde cada vez mais competitividade, as margens desaparecem e passam a ser financiadas por meio de dívidas, o que é fatal", apontou.
No caso da tecelagem Teka, uma das empresas assessoradas pela Corporate, a dívida com credores estão na casa dos R$ 2 bilhões.
Credibilidade
Um dos mecanismos usados pelas empresas de reestruturação é emprestar a credibilidade que possuem para renegociar débitos com fornecedores, funcionários e instituições financeiras. Apresentando o plano de recuperação das corporações assessoradas, as consultorias conseguem estender prazos e renegociar juros.
Além de elaborar a estratégia, a Corporate, em alguns casos, ainda assume os passivos da firma e injeta dinheiro próprio para resolver pontos críticos, como folha de pagamentos, fornecedores de insumos, e garantir capital de giro para retomar a produção.
Os preços praticados e os métodos de cobrança variam dependendo da consultoria. A Corporate cobra um percentual sobre a nova rentabilidade da empresa que costuma variar entre 3% e 10%. A Estratégia & Negócios cobra um percentual fixo e um variável, que depende de empresa para empresa. Já a Global Trevo cobra por hora de serviço.
Recuperação judicial
Dados da Serasa Experian apontam que 631 empresas entraram com pedido de recuperação judicial entre janeiro e setembro deste ano. Somente no mês passado foram 90 pedidos, número 38,46% maior que em agosto, quando 65 pessoas fizeram o pedido.
A ferramenta é usada por algumas consultorias quando a varredura feita na empresa mostra que não existe possibilidade de reestruturação. "A grande sacada é, no processo, utilizar uma consultoria que já tenha boa reputação com os credores que, normalmente, não acreditam mais nos sócios das empresas", observou Paiva.
Hennemann alertou, entretanto, que a recuperação pode ser perigosa e, caso o juiz não veja possibilidade de reestruturação, pode decretar falência.