Segmento começa a superar dois anos de vendas fracas e estoques elevados
SÃO PAULO - Depois de dois anos de crise, com vendas fracas e estoques de imóveis cada vez maiores, as incorporadoras começam a vislumbrar uma retomada. O setor da construção foi um dos que mais sofreram durante a recessão, mas a queda dos juros abre uma nova perspectiva para essas empresas. Essa possibilidade de melhora já começa a ser percebida na valorização das ações, com o índice do setor, o Imob, acumulando alta de 17,1% desde o início do processo de queda da Taxa Selic. No entanto, analistas lembram que essa melhora será gradual, e os papéis que mais devem se beneficiar são aqueles de empresas de baixo endividamento.
Para as incorporadoras, as vendas de imóveis novos decolam com base em um tripé formado por demanda, crédito e confiança do consumidor. Pelo fato de o Brasil ser um país com um déficit habitacional elevado e com muitas famílias ainda em busca do primeiro imóvel, o primeiro fator está garantido. Já o segundo item volta a ganhar força com a redução dos juros na economia, com a Selic passando de 14,25% ao ano em outubro para os atuais 9,25% ao ano — com perspectiva de chegar a dezembro em torno de 8%.
O problema tem sido a terceira “perna”, já que é preciso ter a perspectiva de poder arcar com uma prestação por um período que muitas vezes chega a 30 anos. Mas a retração do desemprego, que deve ganhar força entre o fim deste ano e o início de 2018, pode deixar o consumidor mais confiante.
— As incorporadoras estão em um momento de estoques elevados, mas vão começar a vendê-los sem ter que arcar com o custo de novos projetos, já que quase não fizeram lançamentos nos últimos anos. Com isso, as que estão com pouca dívida têm a perspectiva de gerar um caminhão de caixa — avaliou Bruno Mendonça, analista do Santander.
A dívida dessas incorporadoras foi gerada nos anos de bonança. Com excesso de crédito, economia em crescimento e baixo desemprego, imóveis na planta eram vendidos com facilidade, e os bancos aprovavam crédito para os potenciais mutuários. Para tirar proveito desse cenário, as empresas tomaram dívida para comprar terrenos e lançar mais projetos. Mas a crise chegou, o crédito cessou, e não só as vendas não ocorreram, como clientes que compraram na planta tiveram de devolver seus imóveis em razão da crise. Esse cancelamento tem o nome de distrato.
— É algo típico do setor. A construtora pega dinheiro para a obra e recebe a maior parte do valor da venda só na entrega. Mas a entrega ocorreu em um momento ruim, a partir de 2015, quando começaram os distratos. Algumas incorporadoras erraram e lançaram demais, por isso algumas pediram recuperação judicial, como a PDG — disse.
NOVA REGRA DE DISTRATO DEVE BENEFICIAR SETOR
Mas, se houve quem errou a mão, há aquelas que conseguiram passar de forma melhor por esse período de crise. Analistas citam Cyrela e Eztec como empresas que, com uma estrutura de capital mais confortável, podem tirar proveito primeiro dessa retomada. Em comum, são pouco endividadas e vendem imóveis de médio e alto padrão. Esses papéis acumulam alta de 19,5% e 28,5%, respectivamente, acima da média do setor.
Entre as empresas que destinam sua operação a imóveis de menor valor, MRV (alta de 25,3%) e Direcional (leve queda de 1,6%) são apontadas como destaque. As duas vendem imóveis para o Minha Casa Minha Vida, programa do governo federal que subsidia, com taxas de juros mais baixas, unidades habitacionais — na faixa de menor estímulo, o limite de renda passou, em fevereiro, de R$ 6,5 mil para R$ 9 mil.
Além da queda dos juros, o setor de construção deve se beneficiar da nova regra para os distratos. O governo negocia normas mais claras de cancelamento desses contratos. Isso deve reduzir disputas judiciais no futuro.
— O juro menor impacta a demanda por financiamento. Além disso, há uma perspectiva de mudança na legislação dos distratos. Esses são importantes vetores para o setor e beneficiam as ações — avaliou Vitor Suzaki, analista da Lerosa Investimentos.
Nos 12 meses encerrados em maio, 41 mil distratos foram realizados no setor, o que equivale a 39,4% das vendas feitas no período. Isso significa que, a cada dez apartamentos ou casas novas comercializadas, quase quatro foram canceladas, segundo dados da Associação Brasileira das Incorporadoras (Abrainc). O percentual, no entanto, vem caindo.
Analistas lembram, porém, que há riscos para o setor no futuro próximo, como a necessidade de elevar vendas. Hersz Ferman, da Yeld Capital, cita, por exemplo, que, apesar da melhora no segundo trimestre, a Cyrela ainda tem um nível de estoque que equivale a dois anos de venda. Já o desempenho da MRV foi destacado pelo foco da empresa no segmento econômico, de maior demanda.
— Os números estão fortes, com vendas e lançamentos crescendo, distratos caindo e uma geração de caixa de R$ 105 milhões, o segundo trimestre consecutivo de geração — destacou.
31/07/2017