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Como a eventual recuperação judicial da Gol nos EUA pode impactar os voos no Brasil

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Origem do problema financeiro enfrentado pela empresa aérea vem da crise que atingiu em cheio o mercado de aviação civil em todo mundo durante a pandemia da covid-19

18/01/2024

 

A possibilidade de ser confirmada a entrada da Gol com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos tem movimentado o mercado nos últimos dias e coloca em alerta os passageiros com bilhete comprado ou intenção de voar nos próximos meses com a companhia.

Especialistas, porém, avaliam que a eventual confirmação do pedido de proteção contra credores não seria capaz de impactar os voos já agendados e, pelo contrário, abre um horizonte favorável para melhorar a saúde financeira da companhia no médio e longo prazo.

Em 2023, a Gol reconheceu, em balanço financeiro, um endividamento de R$ 20 bilhões. A maior parte está relacionada ao aluguel de aeronaves, contratos de leasing. Apesar do alto endividamento, a Gol mantém uma operação saudável no país.

Especialistas consultados pelo Valor contaram que a companhia mantém uma “frota padronizada”, com uma relação de custo de assento por quilômetro “bastante razoável”, apesar do custo elevado do querosene de aviação (QAv) no Brasil.

Somente dois dias após espalhar a notícia da possibilidade de entrar em recuperação judicial nos Estados Unidos, a Gol perdeu R$ 293 milhões em valor de mercado na B3.

A origem do problema financeiro enfrentado pela Gol vem da crise que atingiu em cheio o mercado de aviação civil em todo mundo durante a pandemia da covid-19.

Operação lucrativa

 

Agora, a Gol está presente nas rotas lucrativas do país, o que é importante para as empresas nacionais em momento de retomada da demanda por voos. A companhia ocupa posição estratégica nos aeroportos de Congonhas e Galeão, por exemplo. O preço da passagem elevada, o que os passageiros sabem e têm reclamado, torna a operação neste momento bastante lucrativa.

“A Gol tem sim uma demanda muito boa de voos, com aviões cheios. Só que existe um passivo, que vem lá, desde o momento da covid, de dívidas, de pouca arrecadação. Um momento realmente muito difícil”, afirmou o consultor sênior da ARB Consultoria, Ary Bertolino, ao Valor.

O especialista explica que, ao contrário do que parece, a recuperação judicial em território americano pode ser vantajosa e a companhia pode sair, literalmente, no lucro. Isso porque, além de negociar dívidas sob a tutela do juiz, vai proteger seu caixa de despesas que podem ter o vencimento antecipado.

“Toda vez que se fala em recuperação judicial, o que vem na cabeça é que a empresa vai quebrar, vai falir. Muitas vezes, o que acontece é o contrário porque o que eles querem na verdade é trilhar caminhos para se recuperar e poder, a partir dessa recuperação, se desenvolver”, disse Bertolino.

 

Exemplo da Latam

 

No setor, há a avaliação de que a Gol quer seguir os passos de sua concorrente Latam, que também recorreu ao pedido de ajuda à justiça americana e obteve sucesso na negociação das dívidas com os credores. É consenso entre os especialistas que a Latam saiu fortalecida da recuperação judicial.

Nos Estados Unidos, as empresas com alto grau de endividamento no mercado recorrem ao chamado Chapter 11 — ou capítulo 11 da Lei de Falências do país. Em contraste à lei brasileira de recuperação judicial, a legislação americana é considerada mais madura, mais “market friendly”, do que a lei equivalente no Brasil.

Especialistas consideram que a lei brasileira tem um olhar “muito patrimonialista”, o que representa um problema para empresas que mantêm boa parte da operação com aluguel de prédios e aeronaves, no caso das aéreas. Isso explicaria boa parte da dificuldade enfrentada pela Avianca.

 

Dura negociação

 

Mesmo sem confirmar a entrada em recuperação judicial, a Gol já pode usar só a possibilidade de formalizar o pedido para melhorar as condições da negociação direta — ou “one-a-one” — com os donos de aeronaves, os chamados “lessores”. Na prática, a ameaça de ingresso com o pedido de recuperação poderia ajudar a destravar as tratativas da parte desse grupo de credores, flexibilizando suas posições para evitar que a justiça americana venha intervir em favor da companhia brasileira.

Com a suspensão de voos na pandemia, o mercado de leasing enfrentou a situação delicada de ter que “hibernar” uma grande quantidade de aviões, operação que envolveu alto custo. Agora, a situação se inverteu, e faltam aeronaves em todo mundo para atender à grande demanda das companhias. Isso explica a dificuldade das companhias aéreas em avançar nas tratativas com os donos de aeronaves, explicou uma fonte consultada pelo Valor.

“Hoje, os ‘lossores’ estão totalmente indiferentes, o oposto da postura que eles tinham na época da pandemia, quando a aeronave estava sobrando. Todo mundo tinha aeronave parada e ainda que o ‘lessor’ não conseguisse negociar, ele não ia ter o que fazer com avião, não teria onde botar tanto avião”, disse a mesma fonte.

 

Proteção do caixa

 

Se realmente recorrer ao Chapter 11, a Gol pode se proteger o fluxo de caixa de uma série de medidas que outros credores podem começar a adotar com base apenas nas especulações sobre a dificuldade de reduzir a dívida.

Os aeroportos podem, por exemplo, começar a pedir que a Gol pague o combustível de forma antecipada ou que pague no ato do abastecimento para evitar o risco de calote. Atualmente, as companhias abastecem e o pagamento é feito depois.

O mesmo pode ocorrer com as taxas aeroportuárias de estacionamento, de pernoite e de permanência das aeronaves nos terminais de passageiros. Hoje, as companhias aéreas pagam no prazo de 60 a 90 dias para administração do aeroporto. Porém, se acharem que alguma aérea pode falir, a concessionária do aeroporto pode pedir um pagamento à vista.

“Se isso acontecer, vai gerar um fluxo de capital muito maior que, às vezes, uma empresa endividada pode não ter. Quando pede a recuperação judicial, ela quer se proteger exatamente evitando desembolsos à vista para sua operação”, explicou Bertolino.

Ainda sobre situações comuns na operação de voos, Bertolino conta que os aeroportos, diante de movimentos especulativos sobre gestão da dívida de alguma aérea, podem também exigir o pagamento imediato da taxa de embarque recolhida na comercialização dos bilhetes. Isso, conta, é normalmente repassado para o aeroporto no prazo de 90 a 120 dias depois. O mesmo pode ocorrer com as tarifas de navegação aérea, algumas inclusive mantidas em atraso pela Gol, com o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea).

 

Maximizar lucro

 

Na prática, os mecanismos de proteção da recuperação judicial levariam a Gol inclusive a maximizar o lucro da operação no curto prazo, diante da possibilidade de jogar para frente alguns compromissos financeiros. A exemplo das concorrentes no mercado, a empresas vende passagem com três a seis meses de antecedência e conseguiria, inclusive, já prever qual será este ganho.

“Para uma empresa como a Gol, isso seria excelente nesse momento, porque os voos estão saindo lotados, as passagens estão [com o preço] em alta. Ela está efetivamente ganhando dinheiro”, disse o consultor sênior da ARB Consultoria.

 

Risco de evasão de frota

 

Para alguns especialistas consultados pelo Valor, a Gol pode ser impactada com redução da frota de aviões, se mesmo dentro da recuperação judicial nos Estados Unidos, não avançar a negociação com os donos das aeronaves. A exemplo de outras companhias mundo afora, as aéreas brasileiras querem ampliar o número de aviões em operação.

No caso da Gol, especialista ouvido pelo Valor disse que a companhia conta com uma “frota muito preciosa”, que é cobiçada por companhias estrangeiras. Por não ser compatível com a operação de outras aéreas brasileiras, possivelmente iria para empresa com operação no exterior, incluindo os mercados americano e europeu. O mesmo especialista mencionou que entre os aviões mais usados pela Gol estão os seguintes modelos Boeing: MAX 8, 737 700, 737-800 e 800 Next Generation.

 

Oferta hostil

 

Outros riscos da recuperação judicial em si podem ser observados no que aconteceu na recuperação judicial da Latam, apesar de ter saído fortalecida no desfecho do processo. A companhia quase tomou um “virada de mesa” dos credores, que tentaram assumir o seu controle, e também quase foi comprada pela concorrente Azul, que fez “oferta hostil” pela empresa.

Procurada pela reportagem, a Gol informou que mantém o foco “sempre na confiabilidade de suas operações e em proporcionar a melhor experiência de viagem aos seus clientes”. Além disso, ressaltou que reúne esforços “para melhorar a lucratividade e fortalecer seu balanço”.

“A Gol está em discussões com seus stakeholders financeiros sobre diversas opções que tragam maior flexibilidade financeira, incluindo capital adicional para financiar as operações. Todas as ações visam posicionar a Gol para o sucesso de longo prazo, à medida que a companhia continua a cumprir sua missão de democratizar o transporte aéreo no Brasil”, ressaltou a companhia aérea, em posicionamento oficial.

Autor(a)
Por Rafael Bitencourt, Valor — Brasília
Informações do autor
Autoatendimento da Gol do Aeroporto de Congonhas — Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

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