Desvalorização acentuada do dólar, turbulências externas e a maior contração da economia brasileira em quase um século quase não abalaram até agora a saúde dos bancos brasileiros. Segundo o Relatório de Estabilidade Financeira de abril, elaborado pelo Banco Central, o sistema financeiro nacional está líquido e capitalizado o suficiente para enfrentar situações adversas muito piores que as que enfrentou até agora. Mas há efeitos negativos: a margem líquida de crédito caiu um pouco e ficou ligeiramente abaixo de 5%, a rentabilidade líquida sobre o patrimônio foi de 14% no ano passado e aponta para baixo. O crédito está contido e o provisionamento para possíveis perdas subiu.
A instabilidade externa pôs o endividamento privado na frente da fila das potenciais encrencas no Brasil, mas este perigo foi contornado até agora. Coincidindo com as avaliações do FMI sobre a recente agitação dos mercados financeiros, o BC aponta que a saída líquida de recursos não foi significativa e que a exposição ao risco cambial hoje é menor e mais controlada.
O mergulho do real teve "baixo impacto" na liquidez. As empresas não financeiras, que não exportam e não têm hedge, o grupo de maior risco ao impacto cambial, viram suas dívidas aumentarem de 2,4% do PIB em 2014 para 3,1% no ano passado, mas, segundo o BC, o aumento foi puro efeito da desvalorização do real. Pouco menos de dois terços do total das dívidas dessas empresas foi contraída em moeda local.
Os débitos em moeda local correm o risco de inadimplência diante do brutal encolhimento da atividade e da elevada taxa de juros doméstica, que reduziu lucros, aumentou custos financeiros e diminuiu receitas. Os bancos, especialmente os privados, tomaram uma série de medidas de precaução. O de maior impacto para a atividade econômica foi a drástica freada na oferta de crédito. Até dezembro, os empréstimos nos bancos privados tiveram queda real de -8,2%. A atitude defensiva prosseguiu no primeiro trimestre deste ano. A vítima recorrente e principal da menor concessão foram as pequenas e médias empresas. Os recursos colocados a sua disposição pelas instituições financeiras caíram 6,8%, enquanto ainda cresceram 5,7% para as grandes empresas.
Mas enquanto a inadimplência total teve ligeira alta de 0,5 ponto percentual, para 3,4%, ela cresceu mais, para 4,7% entre as pequenas e médias empresas e caiu um pouco entre grandes companhias. Os números poderiam ser maiores se os bancos privados não se envolvessem em operação de renegociação e reestruturação dos débitos, que corresponderam a quase 7% do total da carteira de empréstimos a pessoas jurídicas e a 10% da de pessoas físicas.
A recessão levou também uma enxurrada de empresas à recuperação judicial - 2015 terminou com 1.300 delas nessa situação. Segundo o BC, porém, a dívida bancária dessas empresas equivale a 1% da carteira de crédito em dezembro e pelo menos 60% desses débitos estão provisionados. As provisões subiram. Nos bancos privados, elas são 80% maiores que a inadimplência e nos bancos públicos, 56%. Equivalem a 25% das rendas de crédito do sistema bancário.
As estatísticas de dezembro não haviam captado por inteiro a entrada em recuperação judicial de grandes empreiteiras e empresas de porte do setor de petróleo e gás, fortemente atingidas pelo avanço da Operação Lava-Jato. O risco de crédito dessas empresas e das cadeias de produção vulneráveis, segundo o BC, são "objeto de acompanhamento".
Em outra frente, os bancos elevaram o estoque de ativos líquidos disponíveis ao mesmo tempo em que desaceleraram suas captações, diante de um quadro de demanda retraída. Dessa forma, caiu seu risco de liquidez de curto prazo. Esses ativos líquidos foram integralmente usados para comprar títulos públicos - os bancos adquiriram 27% do total dos papéis do Tesouro ofertados no ano passado - e garantem a atrativa remuneração da taxa de juros mais alta do mundo.
Para preservar ou aumentar sua rentabilidade, os bancos elevaram sensivelmente os spreads, diversificaram receitas e ativaram créditos tributários após a majoração das alíquotas de CSLL do setor. Mantêm-se em situação confortável em um ambiente, porém, em que seus custos de captação estão subindo, as provisões aumentando e o crédito encolhendo, algo que não ocorreu com essa intensidade nem mesmo na crise financeira de 2008.