logotipo TMA Brasil
logotipo TMA Brasil
lupa

Conflitos entre acionistas e credores

Capa

As decisões dos administradores de empresas devem almejar a maximização da riqueza de seus acionistas. Entretanto, esse objetivo não pode prejudicar outras partes interessadas na empresa tais como credores, empregados e a sociedade. Tal exigência indica que a maximização da riqueza é adequada desde que: os administradores de fato procurem maximizar a riqueza dos acionistas, mas sem enganar ou mentir para o mercado financeiro; os credores sintam-se protegidos e que não haja encargos indevidos para a sociedade (custos de saúde, poluição etc.).

Esses aspectos financeiros e legais devem ser respeitados também nas decisões de financiamento nas quais visa-se, em primeiro lugar, a maximizar a riqueza dos acionistas, ponderando as vantagens e desvantagens do uso de capital de terceiros.

Não obstante, quando uma empresa passa por uma crise financeira aguda, pode ocorrer o custo de agência do capital de terceiros, que são estratégias egoístas adotadas pela empresa em detrimento de credores. Essas estratégias, resumidamente, são as seguintes: incentivo para investir em projetos muito arriscados, que até poderiam salvar a empresa em caso de sucesso, mas que podem acelerar o seu processo de insolvência; incentivo para subinvestimento, com a recusa por parte dos acionistas em fazer novos aportes de capital na empresa, pelo receio de aumentar sua perda se a empresa vier a falir; e, finalmente, esvaziamento da propriedade, com a venda de ativos e a distribuição dos recursos para os acionistas com base em lucros acumulados no passado, em prejuízo dos credores. Em situações mais graves, algumas empresas transferem recursos para seus controladores ou para outras empresas do grupo mediante compras superfaturadas, vendas subfaturadas, consultorias, contratos de manutenção, compra de serviços etc.

O legislador deveria aprimorar a Lei de Recuperação para melhor regular eventuais deveres fiduciários dos administradores

Todas essas estratégias caracterizam um conflito de interesses entre os acionistas e os credores. Algumas delas são legítimas do ponto de vista jurídico. Mesmo quando a empresa se encontra em situação financeira difícil, o acionista controlador tem o poder de dirigir as atividades da empresa da forma que lhe parecer mais adequada para, em boa-fé, recuperar a sua saúde financeira, ainda que isso provoque maior risco para os credores. O acionista controlador tem também o direito de não fazer novos aportes de capital além dos já anteriormente subscritos e integralizados.

O esvaziamento da propriedade, por sua vez, encontra várias restrições legais visando a proteger os direitos de credores, incluindo a possibilidade de anulação de atos cometidos em fraude a credores, a ineficácia de atos praticados em fraude à execução e a ineficácia de atos praticados no chamado "termo legal", anteriormente ao início da falência ou recuperação judicial.

Considerando que alguns atos potencialmente lesivos aos credores não são proibidos legalmente, e que mesmo os atos ilegais precisam passar por um processo de questionamento judicial que pode ser longo e custoso, os credores aumentam as taxas de juros cobradas, elevando o custo de captação das empresas. Como forma de reduzir as taxas de juros, as empresas concordam com certos "covenants", obrigações que, se não observadas, podem gerar o vencimento antecipado da dívida, protegendo os credores - ainda que parcialmente - contra essas estratégias egoístas.

Se finalmente a empresa recorrer ao processo de recuperação judicial, uma nova forma de estratégia egoísta vem sendo observada, consistente na imposição de pesados descontos aos credores no âmbito do plano de recuperação judicial, sob a ameaça de que a não aprovação do plano levaria à falência da empresa, cenário em que os credores quirografários costumam perder a quase totalidade de seu crédito.

Essa imposição pode representar uma vantagem injusta para o acionista controlador, pois ele levou sua empresa a financiar-se no mercado, levou a empresa à situação que impôs o desconto ao credor e finalmente, caso a empresa venha a se recuperar, o controlador pode aproveitar integralmente todo o upside gerado por tal recuperação.

Por esse motivo, recentemente, alguns credores vêm propondo incluir, no plano de recuperação judicial cláusulas que lhes permitam compartilhar com o acionista controlador parte de eventual futuro upside resultante da recuperação da empresa.

Considerando a situação econômica atual do país, com um grande número de empresas em dificuldades financeiras à beira ou já dentro de um processo de recuperação judicial, o legislador brasileiro deveria analisar a possibilidade de aprimorar a Lei de Falências e Recuperação de Empresas para regular melhor os eventuais deveres fiduciários dos administradores para com os credores das empresas, bem como permitir que os credores participem mais ativamente do processo de recuperação judicial sem que isso lhes imponha onerosa e injustas responsabilidades.

Além disso, o governo deveria fomentar a criação de varas e câmaras especializadas em direito empresarial, que vêm contribuindo para uma maior uniformidade e uma melhoria na qualidade de decisões que afetam os diversos stakeholders de empresas em dificuldades financeiras.

Tratam-se de iniciativas que contribuiriam para a redução dos conflitos entre acionistas e credores e que, portanto, serviriam para aumentar a segurança jurídica, melhorar o ambiente de negócios e, consequentemente, promover a retomada do crescimento econômico do país.

Miguel Tornovsky e Leonardo Pagano são, respectivamente, advogado em São Paulo, professor de direito societário no Insper; doutor em economia, consultor de empresas, professor de finanças no Insper

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Autor(a)
Por Miguel Tornovsky e Leonardo Pagano

Newsletter

Tags

# (1)
#CPR (1)
Agro (2)
Case (2)
Coesa (1)
crise (2)
CVC (1)
EUA (1)
Fiagro (1)
Light (7)
MEI (1)
OAS (1)
Outros (27)
Paper (2)
STJ (2)
TJ-SP (1)
TMA (1)
Varejo (2)
Chat on WhatsApp