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Cooperativas e recuperação judicial

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A Lei nº 5.764, de 1971, definiu a política nacional do cooperativismo e instituiu o regime jurídico das sociedades cooperativas, as quais, hoje, também se encontram, em parte, reguladas no Código Civil.

Tendo em vista suas particularidades, a sociedade cooperativa é definida por muitos como um tipo societário sui generis. Entre os vários aspectos que podem ser destacados, tem-se que não é considerada uma sociedade empresária, embora seus atos constitutivos sejam inscritos no Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais. Por conseguinte, as cooperativas, independentemente da atividade exercida, não se sujeitam à Lei 11.101, de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

Ocorre que, passados mais de 40 anos da promulgação da Lei 5.764/71, transparece em números a indiscutível relevância para a economia nacional do setor cooperativo. Apenas para ilustrar, segundo dados da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), o setor agropecuário, atualmente com cerca de 1.600 cooperativas em funcionamento, foi responsável por exportações que, em 2012, alcançaram o montante de R$ 5.6 bilhões, o que representou 2,5% do PIB nacional.

É razoável que as cooperativas não possam se valer de institutos jurídicos para restaurar sua viabilidade econômica?

Nesse contexto, não é raro vermos cooperativas agropecuárias com faturamento superior a R$ 1 bilhão, atuando desde o recebimento e armazenagem até a industrialização, distribuição e comercialização da produção de seus associados, atividades estas facilitadas pelos incentivos tributários que constitucionalmente lhe são garantidos. Ou seja, embora legalmente constituídas como uma sociedade em que pessoas reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro, a realidade demonstra que operam como se fossem verdadeiras sociedades empresárias, não sendo incomum distribuírem resultados positivos a seus membros ao fim de cada exercício.

Nesse cenário, se de um lado a OCB reagiu contrariamente à inclusão das cooperativas no projeto do novo Código Comercial, com o que se concorda, o fato é que essas sociedades se transformaram em verdadeiras potências econômicas, especialmente as que atuam nos setores agrícola e de crédito, com faturamentos vultuosos, operações comerciais complexas e em larga escala.

Sendo assim, é notório que as cooperativas possuem estrutura organizacional e funcionamento que as sujeitam às mesmas situações de fragilidade de qualquer empresa de grande porte. Exemplos podem ser extraídos do sul do país, onde recentemente duas cooperativas agropecuárias apresentaram ao mercado prejuízos que, somados, ultrapassam R$ 1 bilhão. É precisamente aí que surge o questionamento: é razoável que as cooperativas não possam se valer de institutos jurídicos empresariais como o da recuperação judicial (ou extrajudicial), possibilitando meios de restaurar a viabilidade econômica da sociedade em dificuldades financeiras e, ao mesmo tempo, preservar interesses dos credores, associados e funcionários?

O questionamento se faz pertinente especialmente diante do fato de que o regime liquidatório em vigor não é adequado. Isso porque, conforme dispõe a legislação, basta que os associados definam, em assembleia-geral, pela liquidação da sociedade e pronto, estará estabelecida moratória de um ano, prorrogável por igual período, sem que credor algum possa promover qualquer ato expropriatório ou, até mesmo, participar do processo de tomada de decisões, muitas vezes sujeitando-se a aquiescer com acordos de longo prazo sem qualquer garantia do seu cumprimento.

Veja-se que se desconhece caso de cooperativa que tenha entrado em processo de liquidação por deliberação de seus membros e que, ao final, tenha obtido êxito, ainda que parcial, na satisfação das obrigações contraídas com seus credores. Ademais, parece evidente que esse expediente possui um único objetivo, qual seja, o de liquidar a sociedade com a alienação de todos os seus bens, razão pela qual é cada vez mais frequente encontrarmos tentativas frustradas de pedidos de recuperação judicial aforados por cooperativas, em especial as agropecuárias, os quais são fulminados pela impossibilidade jurídica da pretensão.

Entende-se que a Lei 11.101 deveria possibilitar que as cooperativas (ressalvadas as situações que haja risco sistêmico, como é o caso das cooperativas de crédito) pudessem se valer da recuperação judicial, bem como da recuperação extrajudicial, proposta que poderia ser implementada mediante alteração da Lei 11.101, sujeitando qualquer sociedade (simples ou empresária) aos regimes falimentar e recuperatório, como já ocorre em outros países. Outro caminho a seguir seria a simples alteração da Lei 5.764 para que fosse permitido que as cooperativas lançassem mão dos regimes recuperatórios e se sujeitassem à falência.

Certamente, possibilitar que as cooperativas utilizem os regimes recuperatórios e se sujeitem à falência – sem alterar outros aspectos do regime jurídico de tal tipo societário – traria grandes benefícios, com maior segurança jurídica para o setor, requisito indispensável para acesso ao crédito.

Fernando Pellenz, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea são sócios de Souto Correa Advogados

Autor(a)
Fernando Pellenz, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea

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