Um conflito entre os credores da Queiroz Galvão Energia (QGE) pode enterrar o plano de recuperação extrajudicial da companhia apresentado em novembro, contra dívidas no total de R$ 3,85 bilhões. O motivo do embate é o fato de que o Castlelake, maior credor da companhia, que aprovou o plano e permitiu que a recuperação seguisse de forma extrajudicial, atua hoje também como seu administrador interino. Uma petição arquivada na segunda-feira pela credora Eng Participações alega que isso configura conflito de interesses, e pede que os votos da gestora de recursos sejam desconsiderados da recuperação extrajudicial.
O credor reclamante, que classificou o processo como "simulado e fraudulento", tem créditos da ordem de R$ 258,2 milhões a receber do braço de geração de energia da Queiroz Galvão. A petição da Eng foi assinada pelos escritórios Nunes Ferreira, Viana Araújo, Cramer, Duarte Advogados; Moraes & Savaget Advogados; Alves, Vieira Advogados; e Costa Tavares Paes Advogados.
A gestora americana Castlelake chegou a negociar a aquisição da geradora de energia, mas sua proposta exigia algumas condições precedentes que acabaram não sendo cumpridas pela QGE. A alternativa foi comprar R$ 2,8 bilhões em créditos de bancos. De forma indireta, por meio dos veículos FDIC Apus e Vientos Securitizadora, que se enquadram como credores, o Castlelake deu o aval necessário ao plano.
Acordo confidencial com credores mostraria 'golpe perpetrado pela QGE e pela Castlelake', diz petição da Eng
Além de aprovar o plano, o Castlelake também optou por converter sua dívida, de pouco mais de R$ 2,8 bilhões, em ações de uma sociedade de propósito específico (SPE) que passará a ser a holding dos ativos da QGE pós-reestruturação. Segundo fontes ligadas à companhia, a Lei 11.101 permite que planos de recuperação extrajudicial surtam efeito para credores antes de sua homologação pela Justiça, desde que o credor no caso aceite as condições. Por isso, não seria problema a gestora já atuar como administradora.
A alternativa para aqueles que não queiram ser sócios da empresa é consideravelmente menos atrativa. Será feito o pagamento em dinheiro, correspondente a 2% dos créditos abrangidos pela recuperação extrajudicial, com pagamento feito no 10º aniversário da homologação do plano.
A petição da Eng Participações aponta que, dias antes da apresentação do plano de recuperação extrajudicial, a QGE, os veículos de investimento da Castlelake e a Queiroz Galvão S.A. (QGSA) firmaram um contrato confidencial, chamado de acordo de suporte à reestruturação (RSA, na sigla em inglês). O acordo definiu uma administração interina para a companhia, e nomeou Gustavo Ribeiro como seu diretor comercial. O problema, segundo a petição, é que Ribeiro assinou o plano de recuperação extrajudicial em nome da Vientos Securitizadora.
De acordo com a petição, apenas esse fato já consiste um vício no processo, fazendo com que seja necessário o afastamento de toda a administração interina nomeada por meio do RSA.
Segundo os advogados da Eng, o RSA é "a peça final do quebra-cabeça que revela o golpe perpetrado pelo grupo QGE e o Castlelake". O documento inicialmente era sigiloso, e sua divulgação acarretaria multa de R$ 35 milhões.
No acordo, a Queiroz Galvão S.A. concordou em pagar aos "credores apoiadores" - o Castlelake - R$ 200 milhões por meio da emissão de debêntures. Em troca, a gestora americana concordou em abrir mão de avais ou fianças da holding sobre a dívida. A QGSA é fiadora de grande parte da dívida adquirida pelo Castlelake, mas não teria condições financeiras de pagar caso fosse executada.
Segundo fontes, os credores entenderam que a cobrança resultaria na recuperação judicial também da controladora da QGE, cenário que não interessaria a ninguém. Por isso, concordaram em receber os R$ 200 milhões em troca da desistência dos avais, decisão que converge com a estratégia de assumir o controle da companhia elétrica.
"Esse pagamento constituiu uma vantagem extra aos credores signatários, formalizada às escuras e em detrimento dos demais credores, que não são veículos do Castlelake", diz a petição da Eng.
A gestora de recursos também se comprometeu, por meio do RSA, em manter indenes as empresas da Queiroz Galvão quanto a perdas nas subsidiarias ocorridas ou iniciadas durante o período de negociação da recuperação extrajudicial. "Uma vez mais, as recuperandas e os credores signatários evidenciam seu real intuito com a presente recuperação extrajudicial. Insista-se: as disposições do plano de recuperação extrajudicial foram elaboradas com objetivo de transferir o controle das recuperandas aos credores signatários", diz a petição.
A Eng Participações não pediu a impugnação do plano de recuperação extrajudicial, mas defendeu que o processo atual seja "imediatamente extinto", e pediu também que o administrador judicial exerça provisoriamente as funções de gestor judicial da companhia. O juiz deve abrir um prazo para que as demais partes se manifestem nos próximos dias.
09/01/2019