A paralisação das obras das linhas de transmissão da Abengoa já gerou "impacto significativo" - segundo a avaliação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) - no processo de expansão do setor elétrico, mas o cenário pode se agravar se o governo não chegar a uma solução rápida com a empresa, os credores e os potenciais novos concessionários. O principal risco é relacionado à linha que vai escoar energia da mega hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, até o Nordeste.
As obras estão paradas desde novembro do ano passado, quando a controladora na Espanha iniciou o processo re recuperação lá. No dia 29 de janeiro, a empresa pediu recuperação judicial no Brasil, contra dívidas listadas de R$ 3,04 bilhões, além de débitos fiscais de R$ 99 milhões.
Desde novembro, o governo vem se reunindo com empresas do setor elétrico para tentar mapear o interesse nos ativos da Abengoa, não se limitando necessariamente às transmissoras de energia, mas tambem outras companhias do setor que possam ser afetadas pelos atrasos nas obras, como concessionárias de usinas eólicas.
O Valor apurou, porém, que as baixas taxas de retorno aceitas pela Abengoa nos leilões de transmissão em que arrematou as concessões são obstáculos que reduzem o interesse de potenciais compradores. As condições de crédito atuais também não ajudam. Da parte dos credores, os relatos são de dificuldade nas negociações e baixas expectativas de solução.
No documento que sustenta o pedido de recuperação judicial, distribuído para a 6ª Vara Empresarial da Justiça do Rio de Janeiro, ao qual o Valor teve acesso, a Abengoa diz ter sob sua responsabilidade "direta ou indireta" cerca de 10 mil quilômetros de linhas de transmissão de energia, em operação ou construção, no país. Em termos de receita anual, o grupo alega ter R$ 1,077 bilhão, o que representa uma participação no mercado brasileiro de transmissão de 6,2%.
"Conclui-se que as recuperandas são hoje o terceiro maior player de capital privado atuante no setor de transmissão de energia elétrica, essenciais, portanto para o sistema elétrico brasileiro", escreveu a Abengoa no pedido. A companhia contratou a G5 Evercore, empresa de assessoria financeira, para auxiliar na reestruturação do grupo no Brasil.
Em documento disponibilizado recentemente, a Aneel afirmou que a companhia paralisou mais de 5 mil quilômetros de linhas de transmissão, que escorreriam energia de parques eólicos, solares e principalmente de Belo Monte.
O trecho de 1.816 quilômetros dessa linha de Belo Monte que tem data de entrega em 30 de novembro deste ano tem apenas 20% de avanço físico nas obras, enquanto os outros trechos praticamente ainda não saíram do papel. Segundo a Aneel, esse atraso vai resultar numa "não otimização" da operação do sistema, por limitar o despacho de usinas ou restringir a transferência de energia de uma região para outra do país. Na prática, o problema não deve causar uma interrupção no fornecimento de energia, mas um aumento dos custos de operação.
Segundo especialistas ouvidos pelo Valor, mesmo com o pedido de recuperação judicial, a venda ou repasse dos ativos da Abengoa a outros agentes é possível devido à lei 12.767 de 2012, que eliminou a possibilidade de que uma concessionária de energia elétrica possa pedir recuperação judicial. Nesse caso, três empresas do grupo no Brasil entraram com o processo (Abengoa Construção Brasil, Abengoa Concessões Brasil e Abengoa Greenfield Brasil), mas as sociedades de propósito específico que configuram as linhas de transmissão não foram incluídas no pedido.
A impossibilidade de que concessionárias entrem com pedido de recuperação surgiu no âmbito da crise do Grupo Rede, em 2012. Na ocasião, após a Celpa ter pedido recuperação, o governo publicou a Medida Provisória 577 (transformada na lei 12.767), impedindo que as demais distribuidoras do grupo solicitassem proteção judicial e abrindo caminho para uma intervenção da Aneel.
Por isso, hoje, o governo pode liderar os esforços de transferência dos ativos sem necessitar do aval dos credores da companhia, como acontece normalmente numa recuperação judicial. Todos os envolvidos concordam que uma solução é melhor que uma briga judicial. Se isso não for possível, ou não houver interessados em todos os ativos, a Aneel pode fazer uma intervenção, indicando administradores para, posteriormente, relicitar os empreendimentos. Essa, porém, é a pior situação em termos energéticos, pois a normalização das obras poderia levar mais tempo.
Além de Belo Monte, diversos empreendimentos de energia eólica e solar também dependem dessas obras. É o caso da italiana Enel, tem que tem 600 MW em projetos de energia solar em construção, assim como a Renova, com aproximadamente 800 MW de eólicas dependendo das linhas da Abengoa para o escoamento da energia.