Pagar a indenização é a alma do negócio das seguradoras. Mas às vezes há discórdia. "Ninguém tem interesse em recusar o pagamento de algo devido. Manter processos nos departamentos jurídicos custa muito caro para as seguradoras. Além disso, a cada negativa, a companhia perde um cliente, que vai falar mal do setor para outros tantos", afirma Jayme Garfinkel, vice-presidente da CNseg, confederação das seguradoras. "E isso não interessa para ninguém, muito menos para um setor que investe pesado para disseminar a cultura de seguros e dobrar a participação do setor no PIB. Agora, tem gente que reclama até quando não tem cobertura do seguro. Aí não dá para pagar. Tem de resolver na Justiça."
Saúde é o segmento que mais acumula processos na Justiça. Boa parte das ações visa conseguir atendimento para um tratamento excluído do contrato, como medicamentos e terapias ainda não convencionais. Para a advogada Angelica Carlini, a incompreensão do segurado do que ele contratou é a principal razão das ações na Justiça. "Somente para conseguir a pílula do câncer, o Judiciário acumulava mais de 14 mil ações só em São Paulo", diz.
O que mais tem ocupado os advogados são discórdias com os seguros de responsabilidade civil de executivos, conhecidos como Directors & Officers (D&O), e também o seguro garantia, que se compromete a finalizar um contrato diante do não cumprimento acordado entre as partes. Segundo a sócia do escritório de advogados Demarest, Marcia Cicarelli, o D&O é um dos seguros que registraram o maior volume de crescimento de sinistros nos últimos anos no Brasil por conta do endurecimento da legislação para combate à corrupção e de operações como Lava-Jato e Zelotes, do crescimento das investigações administrativas, e das próprias empresas que estão fazendo um maior número de investigações internas para evitar casos de corrupção. "A discussão dos custos de defesa em processos de corrupção, que são atos dolosos e excluem a cobertura, é um exemplo clássico. Enquanto não se tem uma confissão do segurado ou uma decisão transitada e julgada, dependendo do clausulado, não é possível exercitar essa exclusão".
No escritório de advocacia Mattos Filhos, a demanda judicial vem por conta dos contratos de garantia, que cobrem entre 5% e 10% do valor total. Os pedidos de indenizações por obras não concluídas decorrem de problemas oriundos na política, na economia e das investigações da Lava-Jato. "Os valores envolvidos no garantia chegam a bilhões de reais e estão sendo negociados caso a caso", diz o advogado Cássio Gama Amaral, e devem se avolumar com o aprofundamento da crise no país.
Segundo ele, um problema comum entre as discórdias é a má gestão dos contratos. As seguradoras têm cláusulas que exigem que toda e qualquer mudança no escopo do contrato exige a comunicação de aditivos para alteração do projeto, o que consequentemente muda prazos, valores ou fornecedores. Mas as empresas só avisam quando a situação de inadimplência já está caracterizada. "Em muitos contratos está clara a obrigatoriedade de aviso para que a seguradora tenha a chance de propor soluções ou cobrar um valor extra pela mudança de risco", diz Gama.
Entre os casos que já se tornaram públicos estão a quebra de estaleiros, que deixou armadores a ver navios, e a argentina Impsa, que era uma das maiores fabricantes de turbinas eólicas no Brasil. Com a recuperação judicial da fabricante de equipamentos eólicos, as construtoras dos parques eólicos não conseguiram concluir o projeto no prazo acordado, acionando o seguro garantia. Somente esses dois casos totalizam quase R$ 2 bilhões em seguro garantia.
Os contratos da Petrobras, que envolvem bilhões de reais, também geram disputas, porém muitos não foram concluídos porque a causadora da quebra de fornecedores, ou agravadora do risco no jargão do setor, foi a própria petrolífera, que deixou de pagar seus fornecedores diante da crise que se instalou com as investigações da Lava-Jato. Mas ninguém quer falar desse assunto. "É preciso fazer uma análise técnica para avaliar as condições do contrato. A suspeita de corrupção não dá o direito da seguradora negar o pagamento. Essa suspeita tem de ser comprovada judicialmente e mesmo assim é preciso avaliar tecnicamente a gestão do contrato", diz Gama, referindo-se aos contratos em geral.
Para João Marcelo dos Santos, sócio do escritório Santos Bevilaqua Advogados, nos seguros de massa, a redação das condições contratuais deve ser simplificada e o processo de subscrição deve ser estruturado de forma simples e efetiva, na medida adequada à espécie de cobertura contratada. "Em certas situações, um processo de venda excessivamente complexo levaria a um tal encarecimento do seguro que inviabilizaria a sua contratação". Já no caso de grandes riscos, o ideal seria dar às seguradoras e aos segurados uma maior liberdade de negociação, de modo a promover mais competição por condições contratuais melhores, menos engessadas por regras contratuais obrigatórias.