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Desafios da Lei de Recuperação de Empresas

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A Lei nº 11.101/05, que neste ano completa uma década de vigência, criou um novo modelo de recuperação judicial de empresas e modernizou o instituto da falência tendo como premissas a manutenção dos benefícios sociais e econômicos que decorrem da atividade empresarial viável e a garantia da higidez do sistema econômico pela retirada do mercado de empresas inviáveis e que não cumprem a sua função social.

Trata-se de lei moderna e adequada à realidade empresarial brasileira, que se desenvolve com a responsabilidade de ser uma das dez maiores economias do mundo.

Entretanto, não obstante seus méritos, muito se tem discutido sobre a necessidade de reformas nessa lei, a fim que se torne mais efetiva no enfrentamento da crise empresarial.

Alterações legais desnecessárias e de grande amplitude podem criar um ambiente de insegurança

Penso, todavia, que a crise de efetividade da lei de insolvência, e das leis em geral, não se resolve com a edição de mais leis. Se faz necessário uma mudança da postura dos aplicadores da lei, que devem ser mais comprometidos com a obtenção dos resultados práticos do processo, através da efetiva e integral aplicação dos institutos legais.

É evidente que alterações pontuais, destinadas ao ajustamento da sintonia fina da lei, serão sempre bem-vindas. Mas não devemos desfigurar a essência da lei sob o pretexto de que não funciona bem, sem antes aplicá-la em toda a sua extensão. Não podemos nos esquecer de que a legislação de insolvência ocupa posição central no desenvolvimento econômico e empresarial de qualquer país. Alterações legais desnecessárias, sucessivas e de grande amplitude podem criar um ambiente de insegurança nos agentes econômicos, em prejuízo do desenvolvimento empresarial.

A experiência demonstra que os resultados negativos já vivenciados em processos falimentares e de recuperação de empresas não decorrem, na maioria dos casos, da imperfeição da lei de insolvência, mas sim do fato de que os seus institutos não vêm sendo aplicados em toda a sua extensão.

Somente a lei, de forma isolada, nunca é suficiente para a alteração da realidade no enfrentamento da crise empresarial. A mudança na postura dos intérpretes e aplicadores da lei é fundamental para que possamos atingir todos os seus objetivos, fazendo com que sejam preservados efetivamente todos os benefícios sociais e econômicos decorrentes da atividade empresarial saudável.

Deve o juiz zelar pela transparência do processo, lançando luz sobre os procedimentos judiciais, de modo a não restarem áreas de sombras favoráveis a dúvidas ou atitudes desviadas que prejudiquem a seriedade do instrumento judicial. O juiz deve também garantir que os ônus da obtenção do resultado social pretendido sejam divididos de forma equilibrada entre credores e devedores, reprimindo condutas egoísticas de credores descompromissados com o bem social e não permitindo que devedores se coloquem na confortável situação refletiva pela popular expressão "devo não nego, pago quando puder (ou quiser)".

O administrador judicial (antigo síndico) deve ser profissional competente na fiscalização efetiva das condutas processuais e empresariais de devedores e credores, garantindo a lisura do procedimento e empenhando a necessária segurança sobre os rumos do processo.

Credores e devedores envolvidos nos processos concursais devem ser colaborativos, exercendo papel de protagonismo a fim de que se atinja o resultado útil da atividade jurisdicional. Embora essa afirmação pareça utópica, é fato que credores e devedores se tornam menos resistentes e mais colaborativos, na medida em que percebem a seriedade e a transparência do procedimento, sendo-lhes franqueados o acesso e a participação efetiva no processo de tomada de decisões.

Enfim, o comprometimento sincero de todos os agentes do processo de insolvência com os seus resultados positivos é fundamental para o sucesso da aplicação da lei.

Deve-se ter em vista que os institutos criados pela Lei 11.101/05 possuem intensa repercussão social, na medida em que o sucesso de sua aplicação poderá resultar na preservação do emprego e da dignidade de milhares de famílias. Dai que o juiz e o administrador judicial nunca deverão enxergá-lo como uma simples pilha de papel burocrático, mas sim como um repositório de dramas humanos à espera de solução efetiva.

O passo evolutivo em termos de legislação já foi dado com a edição da Lei 11.101/05. É preciso, agora, evoluir na sua interpretação e na efetiva aplicação de seus institutos.

Cabe aos aplicadores do direito tornar real o objetivo legal, fazendo a transposição da letra fria da lei para a realidade incandescente da atividade empresarial.

Daniel Carnio Costa é juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de SP, doutor em direito pela PUC-SP, pós-doutorando pela Universidade de Paris 1 – Panthéon/Sorbonne

Este é o segundo artigo de uma série de três sobre os dez anos da Lei nº 11.101, de 2005.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Autor(a)
Daniel Carnio Costa

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