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Desafios para a nova Lei de Falências

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Muito embora se reconheça o direito como um fenômeno social e, portanto, força matriz e motriz das alterações da sociedade, por vezes a evolução jurídica enseja perplexidades. É o caso da Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Embora traga em seu bojo um ideário e uma proposta totalmente diversa de sua predecessora, não traduz uma conduta diferenciada por parte dos agentes responsáveis pela condução dos processos falimentares.

Esclareça-se que quando se está a falar em agentes do direito concursal, quer-se referir não apenas ao antigo síndico (atual administrador judicial), como também aos cartórios judiciais responsáveis pelo trâmite desses processos, credores (públicos ou privados), leiloeiros, advogados militantes na área, magistrados e membros do Ministério Público.

Se desde a primeira década do Decreto-lei nº 7.661, de 1945, a sociedade brasileira passou a demandar uma nova legislação falimentar, o advento da mesma demonstrou que a ampla maioria dos atores do direito concursal não se prepararam para as inovações nem em termos de estrutura nem em termos de especialização. O diagnóstico atual: temos uma lei nova com aplicadores de mentalidade antiga.

Muitos poderiam dizer que a razão disto estaria no trâmite simultâneo de falências regidas pelo Decreto-lei nº 7.661 e procedimentos regidos pela LFR. No entanto tal premissa não resiste à indagação de que se há atualmente duas racionalidades, da lei antiga e da lei nova, o que fun damentaria a aplicação da racionalidade antiga sobre procedimentos regidos pela LFR e não o raciocínio inverso? Evidentemente que o comodismo das estruturas e dos agentes.

Palpitante então postular que o clamor da sociedade brasileira não era simplesmente pela alteração legislativa, mas sim pela alteração do estado das coisas em matéria de direito falimentar.

Isto porque embora estejamos no ano de 2011 e a Lei de Recuperação tenha completado seu primeiro lustro, alguns exemplos absurdos se perpetuam como se nada tivesse mudado, a saber: nomeação de administrador judicial com base apenas em vínculos de amizade, sem respeitar critérios de competência, especialização e até mesmo de ordem estrutural dos escritórios considerando a multidisciplinaridade de áreas (administração, direito, economia, etc.); substituição de administradores judiciais sem qualquer fundamento, o que acarreta significativos atrasos no trâmite processual, bem como perdas de ordem patrimonial à massa. Outro exemplo seria a restrição da publicidade do feito falimentar, excluindo os credores das publicações; assim como a remuneração mensal ao administrador judicial desvinculada do montante patrimonial, excedendo o limite legal no final do procedimento. O uso do instituto da continuidade temporária de negócios sem considerar o custo-benefício, a subavaliações e alienação de bens da massa a qualquer custo bem como o prolongamento de falências através do arrendamento dos imóveis da massa falida, sem objetividade na alienação e encerramento do feito estariam nessa lista. O mesmo se diga sobre o retardamento na alienação de imóveis em virtude da demora do trâmite processual, ensejando a perda de valor; bem como a ineficácia das buscas patrimoniais de bens da massa falida promovidas pelos administradores judiciais – havendo um contentamento dos agentes com o que é apresentado pela sociedade empresária falida.

No que toca o direito processual falimentar afiguram-se como pontos relevantes a serem solucionados a delimitação da competência do juízo falimentar sobre os bens da massa falida, a possibilidade da adoção do instituto da alienação anteriormente à consolidação da relação de credores e a segurança jurídica acerca da ausência de sucessão do adquirente de bens imóveis e móveis – inclusive o estabelecimento – sobre obrigações fiscais e trabalhistas da massa falida.

A alteração do estado das coisas, no entanto, passa por inúmeras variáveis, que dependem tanto da assunção de um papel efetivo por parte dos credores quanto da especialização do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos advogados e dos administradores judiciais. Tudo sem olvidar a necessidade de que haja uma evolução da mentalidade dos agentes do direito concursal. Isso pode se iniciar pela aplicação dos princípios basilares da LFR (e analógica de seus dispositivos), mesmo aos processos instaurados antes de sua vigência, como já ocorreu, por exemplo, no julgamento da Apelação Cível nº 644124-5, de relatoria do desembargador Paulo Hapner, pelo Tribunal de Justiça do Paraná.

Mais especificamente em matéria de participação dos credores no processo falimentar, identifica-se no direito falimentar um ciclo vicioso de início incerto: a pouca participação dos credores no procedimento concursal reduz a possibilidade de êxito no processo e, por outro lado, a descrença no processo falimentar desestimula a participação qualificada dos credores no procedimento.

A concorrência de administração judicial profissionalizada e comitê de credores ativo e qualificado traduz-se em uma fórmula de sucesso que deve ser seguida, a exemplo da condução da massa falida do Banco Santos.

Mas nem todas as variáveis do direito concursal dependem tão somente de uma alteração de racionalidade. Como se não bastassem os numerosos descasos em virtude do comodismo dos agentes do direito concursal, o direito falimentar atual convive ainda com a proteção de nebulosos interesses e práticas desvirtuadas, que evidentemente não se conformam com o fito de maximização dos haveres creditícios. E é precisamente para chacoalhar este estado das coisas e devolver a dignidade da Justiça que alguns deputados paranaenses iniciaram uma mobilização no sentido de instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito das Massas Falidas na Assembleia Legislativa do Paraná.

A iniciativa é interessante e muito embora ainda não se possa mensurar o alcance final desta CPI, provavelmente será seguida por outros Estados, possibilitando quiçá seja atendido o real clamor da sociedade por uma alteração da substância e não apenas da forma no direito falimentar, de modo a recuperar a mitigada confiança dos credores no Poder Judiciário e fazê-los crer que a falência não importa na certeza do perecimento de seu crédito. Ora, se sob a égide do Decreto-lei nº 7.661, de 1945 o procedimento falimentar era sinônimo de lentidão e fraude, a nova legislação tem o poder-dever de oxigenar esta sinonímia através de seus agente.

Autor: Marcus V. Machado

Fonte: Valor Econômico (09/03/2011)

Autor(a)
Marcus V. Machado

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