Em 2012, quando o microempresário Claudenir de Melo comprou um apartamento na planta, a economia era diferente. Os juros menores permitiam parcelas que cabiam no bolso e o consumo estava mais aquecido, o que beneficiava sua atuação no setor de serviços. Três anos depois, já tendo pago as parcelas de entrada do imóvel, ele teve um financiamento de R$ 360 mil recusado por seu banco, sinal de que as condições já não eram mais tão favoráveis.
Os primeiros balanços de construtoras referentes ao período de janeiro a março deste ano mostram que os distratos de imóveis na planta (os cancelamentos dos contratos de compra) ainda não deram trégua, principalmente no segmento de médio e alto padrão. Na incorporadora Cyrela, por exemplo, os distratos geraram impacto de R$ 500 milhões no caixa no período. Já para a Tecnisa, essa prática representa R$ 2,4 bilhões desde 2013.
Atualmente, o consumidor que pede o distrato pode obter de volta até 90% do valor que pagou. No entanto, há processos que se arrastam por anos, tal como o caso de Melo, até hoje sem uma decisão final. “A construtora ofereceu apenas 60% do valor que foi pago”, diz.
Para tentar minimizar o prejuízo, construtoras pleiteiam junto ao governo uma nova regulamentação para os distratos. Uma proposta que está sendo discutida no Congresso é que as empresas retenham o sinal pago mais 20% das parcelas já desembolsadas, desde que o montante não supere 10% do valor do imóvel.
“Na fase de obras, o consumidor paga cerca de 20% do valor do imóvel para a construtora antes de buscar um financiamento pelo banco. Caso ficassem retidos esses 10% sobre o preço do imóvel, o prejuízo para ele seria de metade do valor desembolsado”, explica o advogado Marcelo Tapai.
Especialista em direito imobiliário, ele destaca que a falta de uma cultura de poupança por parte do consumidor facilitou o avanço dos distratos, uma vez que o desemprego e o crédito escasso pegaram muitos trabalhadores de surpresa. Tapai defende, porém, que as construtoras também arquem com o ônus. Segundo ele, houve grande apelo à compra de imóveis no passado sem que os riscos do negócio ficassem totalmente claros para o comprador.
Falhas de gestão. Sócio do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados, Marcos Prado afirma que, na visão de algumas empresas, há quem tenha comprado um imóvel para investimento e, ao não ver a valorização esperada, desistiu do negócio. “Outro pleito é a diferenciação nas regras para imóveis residenciais e comerciais”.
Presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antonio França defende tratamento igual para todos os casos e afirma que uma nova regulamentação vai proteger empresas menores. “Muitas acabaram ferindo contratos com bancos e com os próprios compradores, pois não tinham dinheiro nem para terminar as obras, nem para pagar quem distratou”, diz.
Marcelo Tapai rebate e diz que há também falhas de gestão. Ele cita o caso da PDG, que já foi a maior incorporadora do País e pediu recuperação judicial em fevereiro.
Pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Eduardo Zylberstajn afirma que a melhora para o setor deve vir apenas em 2018, com a recuperação da economia e a retomada da confiança. Ele não se posiciona sobre a mudança nas regras para distratos, mas diz que o mercado imobiliário está aprendendo com a crise. “Apesar disso, os preços caíram relativamente pouco”.