Um terço das empresas que dão entrada nos pedidos de recuperação judicial na região consegue ter acesso a essa medida, utilizada na tentativa de evitar a falência do negócio. Entre 2012 e 2018, 150 ações foram requeridas, mas somente 50 foram concedidas nas sete cidades.
Os dados são de pesquisa do Conjuscs (Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura), da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), e mostram que o fluxo dos processos é considerado moroso e de baixa eficácia, o que prejudica diretamente a economia do Grande ABC.
Para se ter ideia do cenário, no ano passado foram requeridos 41 pedidos de recuperação, porém, só 12, ou 29%, foram aprovados. E, em 2012 e 2013, nenhuma ação chegou a ser deferida.
As empresas que ingressaram na Justiça pedindo recuperação judicial foram, em sua maioria, atingidas por crise econômica e atravessam dificuldades para pagar credores e funcionários. A medida visa garantir a reestruturação dos negócios e redefinir um plano de resgate financeiro da instituição, que fica a cargo da aprovação do juiz e de todos os envolvidos.
O processo é composto por três etapas: o pedido, que contém exigências como balanço patrimonial e relatório do fluxo de caixa, entre outros; a apresentação do plano de recuperação judicial, que tem prazo de 60 dias para ser feito; após o deferimento do juiz e o cumprimento do planejamento, o devedor permanece em recuperação judicial até que cumpra todas as obrigações.
De acordo com a pesquisadora do Conjuscs e responsável pelo estudo Sandra Collado, a situação atual é um rescaldo da crise e é prejudicial à economia regional. “O maior número de pedidos foi entre 2014 e 2017. Muitas empresas não conseguem sair desta situação. Ela é extremamente prejudicial porque gera demissões e, se fica estagnada, não tem desenvolvimento nem gera renda.”
O estudo analisou a situação de 67 pedidos da região (amostra dos 150), ingressados entre 2012 e 2014, e verificou que apenas uma empresa do montante conseguiu cumprir o plano integralmente. A maioria delas – 21 empresas ou 31,3% do total – teve o pedido de falência decretado. O montante que ainda aguarda uma decisão judicial representa 22% – 15 empresas, sendo que o mais antigo é de 2012.
Por isso Sandra destacou que é necessário o envolvimento de outros órgãos nesta questão, até para sugerir modelo de prevenção para que façam uma interferência antes de acontecer a solicitação de recuperação judicial.
Este sistema também criaria indicadores que possibilitariam aos credores, ao setor público e à sociedade o conhecimento prévio da situação da empresa, de forma que fosse possível atuar com antecedência em casos de agravamento da condição financeira. Promover seminário regional ajudaria a desenvolver a questão.
“Nós estamos alinhados com uma discussão que não ocorre somente no Grande ABC, que é foco porque reúne pequenas, médias e grandes empresas, e que por razões da crise e de má gestão passam por esse processo”, assinalou o professor Jefferson José da Conceição, que também é co-autor da pesquisa. “Trata-se de um problema do Brasil, tanto que o governo federal encaminhou recentemente uma nova legislação de falências que está tramitando no Congresso Nacional, e reconhece problemas desta legislação, que é de 2005. É preciso reformulá-la para que se chegue a um grau maior de resolução.”
Grande ABC tem casos emblemáticos
No Grande ABC, há diversos casos emblemáticos de empresas que ainda aguardam o processo de recuperação judicial, seja para a conclusão da falência ou para a reestruturação da empresa. Nesses casos, os trabalhadores, que na maioria das vezes permanecem com vínculo empregatício ativo, mas sem receber, são prejudicados.
A autopeça de São Bernardo Karmann Ghia tem um pedido de recuperação judicial datado de 2016. A Justiça já determinou a falência improcedente três vezes e teve a última movimentação em junho. O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, representante de cerca de 600 trabalhadores que foram prejudicados pelo fechamento da companhia, recorre da decisão. A ideia é vender a massa falida para ficar quites com os operários.
A gráfica Prol, de Diadema, fechou as portas no ano passado. No fim de 2015, foram dispensados cerca de 300 funcionários, e outros 350 foram desligados em 2017, após decisão judicial que lacrou a fábrica, que chegou a manter 1.200 empregados. A firma chegou a entrar com pedido de recuperação em maio de 2016, mas o mesmo foi suspenso e arquivado definitivamente neste ano. Atualmente, há uma administradora para a massa falida, mas os trabalhadores ainda não receberam a rescisão contratual e nem o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), que não era depositado regularmente pela empresa.
Recentemente, a fabricante de bebidas Dolly, da mesma cidade, entrou com requerimento de recuperação após o bloqueio dos bens do grupo pela Justiça. A companhia diz que não sobrou dinheiro para pagar salários, fornecedores e rescisões dos 368 funcionários demitidos na região e 700 em Tatuí (Interior). Em maio, o proprietário Laerte Codonho ficou preso por suspeita de sonegar R$ 4 bilhões em impostos.
Em compensação, o Moinho Santo André, que também passa por recuperação judicial, conseguiu ser arrendado para o grupo argentino Canuelas. A medida possibilitou que o local, que estava praticamente abandonado, fosse revitalizado e fomentasse a atividade industrial, e com o alcance da capacidade máxima – 500 toneladas diárias e 15 mil mensais até o próximo mês. Cerca de 100 pessoas foram contratadas.
19/08/2018