A crise na indústria da construção naval brasileira parece não ter fim. Agora o Estaleiro Ilha S.A. (Eisa), controlado pelo Synergy Shipyard, da família Efromovich, estuda a possibilidade de entrar com pedido de recuperação judicial. O estaleiro enfrenta dificuldades financeiras resultantes de problemas em contratos de construção de navios com armadores. Ontem o Eisa, situado na Ilha do Governador, zona norte do Rio, amanheceu com as portas fechadas. A empresa comunicou aos empregados que se vê na necessidade "imediata" de realizar cortes de pessoal. As rescisões devem abranger 90% dos cerca de 3 mil trabalhadores do Eisa.
"A única alternativa hoje para manter o estaleiro funcionando é diminuir ao máximo nossos custos operacionais", disse trecho de um comunicado do Eisa aos empregados. Segundo o texto, o estaleiro passa por uma crise financeira de grandes proporções tornando "quase insustentável" sua continuidade. Os problemas do Eisa são antigos: envolvem problemas de gestão, de relação com os clientes e com bancos financiadores no Brasil. Não se relacionam com as consequências da Lava-Jato ou com os problemas da Sete Brasil, temas que aumentaram as incertezas sobre os estaleiros nacionais.
Dados do Sinaval, o sindicato que representa os estaleiros, mostram que de janeiro a outubro deste ano cerca de 20 mil empregos foram perdidos no setor. Eram cerca de 81 mil empregos diretos no começo do ano e em outubro restavam 62 mil. "Com os dados de novembro, esses números [de desemprego] devem aumentar ainda mais", disse Sergio Bacci, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval e Offshore (Abenav).
As demissões nos estaleiros se aceleraram nos últimos anos. Houve cortes no Estaleiro Atlântico Sul (EAS), em Pernambuco, e no Estaleiro Enseada, na Bahia, além do Ecovix, no Rio Grande do Sul. Em novembro, o estaleiro Brasfels, de Angra dos Reis (RJ) também anunciou demissões. Todos vivem as incertezas da Sete Brasil, cuja reestruturação está pendente. O Vard Promar, de Pernambuco, também deve demitir depois de ter contratos de dois navios gaseiros suspensos pela Transpetro, a subsidiária de logística da Petrobras. A estatal alegou "descumprimento" de cláusula contratual.
No caso do Eisa, o estaleiro disse aos trabalhadores que não conseguiu chegar a acordos com armadores que são seus clientes. "A probabilidade hoje [ontem] de o Eisa entrar em recuperação judicial é mais de 80%", disse fonte próxima ao Eisa. A dúvida sobre o caminho da recuperação deve-se ao fato de o estaleiro não ter grandes dívidas e também não gerar receitas. O Eisa tem folha de pagamento de cerca de R$ 12 milhões por mês, mais impostos. Está hoje com parte do 13º e dos salários mais altos de novembro em atraso, disse Jesus Cardoso, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio.
Cardoso saiu ontem de uma reunião com a diretoria do Eisa convencido de que a empresa irá pedir recuperação judicial. Mas fontes ligadas ao estaleiro disseram ser essa uma das possibilidades. Ontem, os funcionários demitidos do Eisa caminharam até o aeroporto do Galeão, também na Ilha do Governador, onde fizeram uma manifestação em frente à empresa aérea Avianca, também controlada pela família Efromovich.
Em 2014, o Eisa já havia enfrentado uma crise com greves e paralisações das atividades por mais de dois meses por problemas financeiros decorrentes de contratos não cumpridos e pela falta de obtenção de financiamentos. O Synergy chegou a capitalizar o estaleiro com recursos de financiamento obtidos no exterior. Houve repactuação de contratos, sobretudo nos prazos das obras, mas esses acordos não envolveram alguns clientes. Um dos principais clientes do Eisa, a Log-In, chegou a um acordo com o estaleiro para terminar navios em construção. A empresa, que ainda tem encomendas em andamento, disse ontem que não iria se pronunciar.
Também ontem, ex-funcionários do Estaleiro Eisa Petro Um, de Niterói (RJ), fizeram passeata pedindo a liberação de R$ 12 milhões pela Justiça do Trabalho para pagamento de verbas rescisórias. O Eisa Petro Um é uma sociedade de propósito específico (SPE) criada pelo Sinergy Shipyard, dos Efromovich, para construir navios para a Transpetro. Em julho deste ano, a Transpetro rescindiu contrato para a construção de navios petroleiros com o Eisa Petro Um alegando o não cumprimento de entregas por parte do estaleiro.
O pedido de liberação de R$ 12 milhões faz parte de valores bloqueados em uma ação civil pública movida pelo Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Niterói em conjunto com o Ministério Público do Trabalho contra o Eisa Petro Um e a Transpetro, responsável pela contratação dos navios. O sindicato entende que a Transpetro é responsável "solidária" pela dívida trabalhista. Um representante do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói disse que havia expectativa de que o dinheiro para pagar os empregados fosse liberado na semana passada, mas a Transpetro entrou com recurso na Justiça do Trabalho bloqueando o pagamento. Em nota, a Transpetro informou que não deve nada ao estaleiro. "Compete ao empregador, Eisa Petro-Um, efetuar o pagamento das verbas trabalhistas de seus funcionários", reafirmou.