Em 2010, o empresário José Carlos Nadalini resolveu diversificar a produção da Engrecon, que desde 1973 produz engrenagens na fábrica de Santana de Parnaíba, município da Grande São Paulo. A empresa investiu cerca de US$ 15 milhões em máquinas e tecnologia para produzir engrenagens mais sofisticadas para a indústria de caminhões.
As novas peças começaram a ser produzidas pelas máquinas, importadas da Alemanha, cerca de dois anos depois. Atualmente, respondem por 30% a 35% do faturamento da empresa. "Sem isso não teria melhorado meu nível de produção", diz Nadalini.
Mesmo com o investimento feito, a empresa opera atualmente com 70% da capacidade, conta o empresário, e tem 180 trabalhadores, quadro bem mais enxuto que os 300 empregados que tinha em 2008, considerado por Nadalini o melhor ano da empresa no período mais recente. A empresa, então, operava com 100% da capacidade, índice que não recuperou até agora.
"Claro que temos processos mais automáticos hoje, mas isso não explica toda diferença no número de trabalhadores. Em 2008 eu pagava horas extras. Este ano estou dando férias para manter os empregados."
O caso da Engrecon reflete o frustrante desempenho de toda indústria no país, dos mais diferentes setores. Também revela um cenário não muito evidente quando se olha resultados de grandes companhias, num ano em que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) está estimado em 0,3%, segundo o Focus.
Nadalini explica que seus principais mercados são as indústrias de motocicletas, caminhões e máquinas agrícolas. Os dois últimos setores, diz, estão muito fracos, enquanto o de motos está um pouco melhor. Dados da Fenabrave, que reúne os revendedores de veículos, comprovam o que diz o empresário. No acumulado de janeiro a agosto, os emplacamentos de motos caíram 6,1% em relação a igual período do ano passado. Nos segmentos de tratores e máquinas agrícolas e no de caminhões, a queda foi de 17,1% e 13,8%, respectivamente.
O panorama mais amplo também é desanimador. Segundo dados do IBGE, a produção física dos fabricantes de produtos de metal no acumulado até julho caiu 10,6%. A indústria de transformação recuou 3,6%. Com o quadro atual, avalia Nadalini, a expectativa é que o faturamento da empresa acompanhe a economia e se iguale ao do ano passado.
Não por coincidência, o "melhor ano" da Engrecon foi 2008, quando a economia real do país ainda não havia sentido o efeito da crise financeira desencadeada pelo pedido de concordata do Lehman Brothers, em setembro daquele ano. A crise trouxe no ano seguinte políticas anticíclicas, que fizeram a demanda crescer, mas, ao mesmo tempo mudaram os rumos da indústria.
Um dos momentos mais emblemáticos para a Engrecon foi 2010, quando o PIB cresceu 7,5% e Nadalini assistiu a venda de tratores e máquinas agrícolas crescer, embalada pelo boom de preços das commodities e pela demanda interna aquecida. Enquanto as vendas no mercado interno em 2010 aumentaram 25% em relação ao ano anterior, a Engrecon, que produzia engrenagens para o setor, viu a produção despencar em quase um terço no mesmo período.
O problema principal, na época, foi a concorrência do importado, que chegava a um preço imbatível aproveitando o câmbio médio de R$ 1,66 em 2010, ano em que o quadro de trabalhadores da empresa caiu a 130 trabalhadores e a ocupação, a 50%. Foi justamente nesse ano que Nadalini optou pela diversificação, com a produção das engrenagens mais sofisticadas, com dentes retificados. Investimento feito, o problema agora, em 2014, é a falta de resposta do mercado.
É como se fosse uma segunda fase, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Os que sobreviveram à concorrência dos importados agora enfrentam desaceleração da demanda interna. O desafio de recuperar a indústria, porém, vai além da conjuntura atual. O câmbio, atualmente perto dos R$ 2,30, melhorou as condições de competitividade, mas a indústria não passou impune pelos últimos anos. "É nesse momento de desaceleração", diz Castro, "que fica mais evidente a extensão do impacto da entrada de importados para alguns setores."
O engenheiro químico e empresário Ede Villanassi, da Sandra Têxtil, testemunha esse impacto. Na fábrica, em Santa Bárbara d'Oeste, ele caminha entre as caixas e os rolos de tecidos empilhados pelas dependências que levam até o galpão que abriga os teares industriais. As caixas de papelão, que se acumulam também na fábrica, mostram que as salas de estocagem se tornaram insuficientes para abrigar material acabado e insumos.
"Estamos fabricando 20 mil metros lineares ao mês e temos em estoque 200 mil metros de tecido pronto", diz Villanassi. O estoque de insumos também está alto. "Temos matéria-prima para um ano de produção."
Na entrada da fábrica, as caixas também fazem parte do cenário e disputam espaço com teares paralisados. Uma camada de pó sobre as máquinas denuncia que várias delas estão inoperantes há muito tempo. Gabaritos empilhados e também empoeirados aguardam a vez para determinar o movimento dos fios nas máquinas e o desenho dos tecidos. Com oito funcionários, a empresa está apenas com 25% de ocupação na fábrica. O baixo uso de capacidade não é novo. Em 2012 a têxtil já operava com apenas 37%.
Os tempos em que a empresa trabalhava com 80% da capacidade, até 2010, se distanciam rapidamente, sem perspectiva de retorno no curto prazo. Até esse período, diz Villanassi, quase metade dos panos que fabricava destinava-se à indústria de vestuário. "Perdi mercado para os importados. Na época, o tecido que eu vendia a R$ 16 o metro chegava da China a R$ 10." Logo depois, conta, o problema não era somente tecido importado. "Os fabricantes de vestuário pediam menos tecido, porque se iniciou a importação de roupa pronta."
Como resultado, a empresa de Villanassi ficou à margem do crescimento da demanda interna. Da mesma forma que a Engregon, o caso da Sandra Têxtil não é isolado. Entre os primeiros semestres de 2008 e 2014, o volume de vendas de tecidos, vestuário e calçados no varejo nacional cresceu 16,9%. No mesmo período, porém, a produção física doméstica de produtos de vestuário foi em sentido oposto e caiu 13,4%. A fabricação de produtos têxteis teve queda ainda maior, de 28%.
Em um período pouco maior que cinco anos, o mercado da Sandra Têxtil transformou-se. Hoje quase nada da produção de tecidos da empresa transforma-se em roupas. Cerca de 30% vão para decoração e 70% para a indústria de calçados. "É um segmento que consome pouco, com demanda que oscila muito, porque o uso do tecido depende da estação e da moda", diz Villanassi.
"Outro dia um calçadista me ligou pedindo 3 mil metros de tecido para verificar a aceitação de mercado. É um volume muito baixo. O que faturo atualmente mal tem coberto a folha de pagamentos", diz o empresário. "No mês passado, fiquei com prejuízo de R$ 15 mil. Se alugasse o galpão, ganharia isso com a locação e não ficaria com dívidas", conta, apontando a fábrica.
Villanassi não vê muita perspectiva de mudanças. "Hoje, o problema não é mais a importação, é o baixo crescimento da economia. Mas no setor têxtil, diz, as indústrias estão desaparecendo." Ele destaca que os fabricantes de fios e as empresas que tingem tecidos já não têm quase encomendas. "Muitas tecelagens viraram meras importadoras de vários produtos."
"É a perda da cultura industrial", diz Castro, da AEB. Perde-se, diz ele, o conhecimento do mercado, dos fornecedores, da dinâmica da produção de manufaturados. A perda de produção não é resultado apenas da baixa ocupação de capacidade. O encolhimento do setor manufatureiro fez a participação da indústria de transformação no PIB cair de 16,6% em 2008 para 13,1% em 2013. Se a perda aconteceu rapidamente, o problema é que recuperar a cultura industrial demanda muito mais tempo.
Atualmente, Villanassi tenta desovar ao menos metade de seu estoque de tecidos a preço de custo. "Seriam 100 mil metros lineares a R$ 7 o metro. Isso renderia R$ 700 mil, o suficiente para pagar os débitos tributários e os direitos dos meus empregados no caso de fechar a fábrica. Mas ainda não decidi fechar."
Mesmo a preço de custo, Villanassi tem dificuldade para vender o estoque. "Outro dia alguém se dispôs a comprar 100 mil metros de tecido, mas a R$ 3 o metro. Isso não paga metade do custo."
A cerca de 100 quilômetros da fábrica de Villanassi, no município de São Carlos, o engenheiro Valdemir Dantas mostra, no hall de entrada da fabricante de eletrodomésticos Latina, a linha de montagem dos bebedouros e purificadores de água. A linha de produtos representa cerca de 60% da produção da empresa e nela o empresário deposita parte da expectativa de melhora de faturamento e fluxo de caixa, condição necessária para que a empresa saia da recuperação judicial, aprovado em julho.
O empresário sabe, porém, que há desafios. Em 2010 e 2011, com o dólar entre R$ 1,66 e R$ 1,87, em média, respectivamente, os importados entraram com força no mercado em expansão. "O purificador importado chegava nas lojas a R$ 199, ao lado do nosso, que custava R$ 339." A participação do importado saltou de 10% em 2010 para 40% atualmente, diz Dantas. "O preço do importado possibilitou a expansão do mercado, mas em troca ocupou boa parte dele."
Naquele período, quando o importado passou a fazer parte do portfólio de muitas empresas, Dantas reconhece que não passou incólume à ideia de elevar a quantidade de insumos comprados do exterior, ou mesmo de passar a revender mercadorias desembarcadas. "Eu pensei em fazer isso, sim, mas seria emoção demais para nós."
Ele conta que a compra de insumos ou mercadorias chinesas requer uma escala que a Latina não tem, o que a obrigaria a entrar em mercados mais amplos e até diversos dos da empresa. "O risco era muito grande", disse. Segundo ele, a empresa ainda continua com 90% dos insumos adquiridos no mercado doméstico.
A decisão de importar ou não, diz Castro, não é um ato heroico. "É uma questão de sobrevivência, de manutenção do negócio." O presidente da AEB ressalta que passar a importar não é uma decisão fácil, porque a importação vem em grande escala e tira a autonomia. "Ele passa de industrial para quase um empregado do fornecedor." Nessa mudança, a empresa talvez sobreviva, mas a indústria, não.