Agência exige que concessionária abra mão das ações judiciais
O embate entre a concessionária que administra o aeroporto de Viracopos e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) chegou a seu ápice ontem, em uma assembleia de credores marcada por atrasos e discussões.
A reunião, iniciada por volta de 14h, ainda não havia se encerrado até às 22h30, horário de fechamento desta edição. A perspectiva é que as negociações avançassem madrugada adentro. A assembleia foi interrompida diversas vezes para que as partes pudessem chegar a um acordo, sem sucesso.
Ao longo da tarde, credores que participaram da reunião chegaram a fazer piada com a dificuldade de se chegar a uma definição, mas, ao fim, alguns já demonstravam irritação e questionavam o porquê de não adiar a assembleia por mais uma semana.
O objetivo da assembleia de credores é votar o plano de recuperação judicial de Viracopos. Caso este seja reprovado, a concessionária irá à falência.
Os representantes de Viracopos começaram a reunião apresentando sua proposta: a devolução do contrato, para que o aeroporto possa ser relicitado pelo governo federal. O plano de recuperação, antecipado pelo Valor em dezembro, tem sido alvo de negociações e ajustes nos últimos meses. Sua última versão foi protocolada ontem, por volta da meia-noite.
No entanto, na reunião ficou claro que restam muitas divergências. De um lado, Viracopos resiste em abrir mão das ações judiciais movidas conta a agência, nas quais contesta o valor de multas aplicadas pela Anac e pede reequilíbrios econômicos financeiros, provocados por descumprimentos contratuais, que somariam R$ 6 bilhões, segundo o grupo.
De outro lado, a Anac quer garantias de que receberá as multas aplicadas e que não terá que arcar de uma só vez com uma conta bilionária caso haja decisões favoráveis a Viracopos no futuro.
Os grupos avaliam levar todas as pendências a um tribunal arbitral, o que ainda está em negociação.
A falta de acordo ficou clara desde o início da reunião, quando a Anac já pediu o adiamento da votação por mais uma semana, alegando que, como o plano definitivo tinha sido protocolado muito tarde no dia anterior, não houve tempo hábil para analisar o texto.
Em seguida, a concessionária rebateu: colocou no telão da assembleia e-mails trocados com diretores da agência mostrando que seus representantes já haviam tido acesso ao plano. Segundo o advogado do grupo, Gustavo Salgueiro, o texto fora inclusive escrito em conjunto com a Anac, que teria tido suas propostas de alterações totalmente acatadas na versão final. Neste momento, membros da concessionária mostravam irritação com a postura do órgão regulador.
A concessionária Aeroportos Brasil Viracopos (ABV), controlada pela Triunfo e UTC, está em recuperação judicial desde maio de 2018. Desde então, tem buscado renegociar suas dívidas ou vender o negócio, mas sem sucesso. Nos últimos meses, o grupo foi pressionado a aceitar a devolução. Após resistência dos acionistas, a concessionária acabou aceitando, em dezembro.
O plano prevê que os credores menores sejam os primeiros a receber, com uma conta reservada que já tem cerca de R$ 200 milhões. Esses recursos são fruto do próprio caixa do aeroporto, mas estão travados devido à recuperação judicial. Em seguida, restarão os créditos da Anac e dos bancos, principalmente BNDES.
A ideia é que essas dívidas sejam pagas com a indenização que será recebida no processo de devolução. O valor, que ainda não foi definido, é um ressarcimento pelos investimentos feitos pelos atuais acionistas e que ainda não foram amortizados.
A definição desse valor deverá ser alvo de embate entre Viracopos e Anac, já que eles defendem metodologias distintas para calcular o total. Já existe uma previsão no contrato para que essa discussão seja levada a um tribunal arbitral, que deverá decidir o montante.
A expectativa é que esse valor seja de, no mínimo, R$ 3 bilhões, mas Viracopos pleiteia valor superior, dizem fontes.
Recebida a indenização, a Anac será a primeira a ser paga. A estimativa é que ela tenha a receber cerca de R$ 1 bilhão, contabilizando as outorgas não pagas e multas - embora o valor delas ainda seja alvo de discussões judiciais.
Em seguida, seriam pagos os bancos, com dívidas de cerca de R$ 2,5 milhões. O BNDES detém R$ 2 bilhões desse montante.
Caso o valor da indenização não seja suficiente para pagar toda a dívida dos bancos, a ideia é que o valor restante seja transferido ao novo concessionário, que vencer a relicitação do governo.
A concessionária ainda poderá ter que pagar esse valor, caso vença alguma disputa judicial de reequilíbrio econômico-financeiro, por exemplo. Neste caso, o valor a ser recebido pela concessionária poderá sofrer desconto equivalente ao montante pago pelo novo concessionário.
14/02/2020