Apesar do ânimo de fundos de investimentos com a baixa no ciclo das commodities e a desvalorização do real, que tornam os ativos mais atraentes no Brasil, o interesse específico no setor o agronegócio enfrenta entraves. A proibição da compra de terras por estrangeiros e a dificuldade de credores em executar garantias oferecidas em empréstimos estão dificultando aportes mais vultosos no setor.
Embora números precisos desses investimentos sejam difíceis de ser levantados, um cálculo conservador aponta que ao menos US$ 2 bilhões foram carimbados no país, com base em investimentos já anunciados pelas gestoras, como o Pátria Investimentos. No leque dos fundos estão desde oportunidades no setor imobiliário à participação em empresas (private equity) com valor agregado. Nesse sentido, os setores de saúde animal e insumos agrícolas são apontados como bastante atraentes e promissores.
Gestores ouvidos pelo Valor afiram que, na soma de perdas e ganhos, o Brasil ainda está no "radar". Apesar de entraves, a crise política tornou o país um campo ainda mais fértil para negócios, na medida que reduz a oferta de capital, elevando oportunidades aos que tem dinheiro para ofertar.
A Proterra, gestora com sede em Mineápolis (EUA) e que tem como investidor a gigante americana Cargill, está no grupo que tem rastreado chances de ganhos no campo brasileiro. Nos próximos 18 meses, projetos agrícolas no Brasil, México e Colômbia devem atrair recursos da ordem de US$ 200 milhões, disse ao Valor o sócio-fundador da gestora, Brent Bechtle.
Sem detalhar alvos, o executivo diz que continua atento ao setor de açúcar e álcool, no qual se posicionou no fim de 2015 no Brasil ao comprar as duas usinas do grupo Antônio Ruette Agroindustrial - negócio, segundo fontes de mercado, de R$ 830 milhões (assunção de dívida e aporte na operação).
Mas é o segmento de grãos que chama mais a atenção. A mesma desvalorização do real que tornou os ativos no Brasil baratos ao estrangeiro também descortinou dívidas em dólar de produtores e companhias agrícolas, abrindo oportunidades de compra em empresas endividadas. "Essa conjuntura tem criado um ambiente de preços mais favoráveis dos ativos brasileiros em comparação com os vistos nos últimos anos, e mais urgência de fazer negócio por parte dos vendedores", afirmou Bechtle.
Ele explica que a crise política, ao mesmo tempo que gerou incerteza e medo, também criou ambiente mais interessante. "Há uma necessidade generalizada de dinheiro no Brasil e poucos provedores de capital", avaliou o executivo.
Em grãos e fibras - setores em que muitos produtores vivem dificuldades financeiras - os alvos podem ser tanto a compra de companhias que produzem grãos quanto a aquisição isolada de terras.
Brechtle reconhece o desafio imposto pela restrição na compra de terras por estrangeiros, mas há ainda outra variável "travando" a entrada mais agressiva de fundos: a resistência dos próprios produtores em vender terras diante do atual patamar baixo de preços.
"Há quase um ano não sai um grande negócio. O produtor está resistente em vender, na expectativa de preços melhores", disse o executivo de uma grande empresa do mercado imobiliário rural.
O Pátria Investimentos diz ter mapeado fazendas produtivas em "Matopiba" (Maranhão, Tocantins, Piauí e oeste da Bahia) e em Mato Grosso que podem se transformar em negócios. A gestora anunciou no fim do ano um fundo exclusivo para esse tipo de ativo, com expectativa de captar US$ 300 milhões entre 2016 e 2017, diz Antonio Wever, sócio para Agribusiness.
Desde 2011, o Pátria vem montando seu portfólio no setor agrícola, seja em fundos de infraestrutura ou de private equity. Hoje, seus ativos agrícolas já perfazem 20% do total de investimentos. A gestora controla a Agrichem (fertilizantes), a AC Café (da marca Café do Centro) e a Frooty (de açaí). Em logística, aliou-se ao grupo Promom em um fundo de infraestrutura que estruturou a Hidrovias do Brasil, prestadora de logística para grãos que recebeu R$ 1,5 bilhão na primeira fase do investimento.
O "Brasil mais barato" também têm trazido ao país fundos soberanos de países árabes, motivados por segurança alimentar, com a instalação de escritórios no país.
Sócio da gestora britânica Actis, o belga Patrick Ledoux afirma que os investidores continuam analisando o Brasil, mas alerta que isso não significa negócios sendo fechados. O grande temor agora é institucional - uma dúvida crucial na definição de para onde irá o US$ 1,7 bilhão captado para investir na China, Índia, África ou Brasil.
"O estrangeiro não quer saber se a economia está mal ou se há corrupção demais - corrupção tem em todos os países, em menor ou maior grau. A pergunta que me fazem é como estão as instituições brasileiras", diz Ledoux. Segundo ele, há preocupações de que o Brasil "se torne uma Venezuela", com expropriações de empresas estrangeiras. "Se [as instituições] estiverem firmes, tudo bem o resto, porque o agronegócio é um dos únicos setores que sobraram no Brasil em termos de bons negócios".
"Tombos" recentes tomados por alguns fundos que já entraram no agronegócio brasileiro - em usinas de cana-de-açúcar, grãos e fibras- podem ainda contaminar novas apostas desses investidores. Na avaliação de Juliano Merloto, da consultoria FG Agro, especializada em reestruturação de dívida no agronegócio, dificuldades judiciais para executar garantias de empréstimos e a fragilidade da governança de algumas empresas credoras (sobretudo as familiares) podem afugentar alguns players.
Para Craig Tashjian, diretor da Amerra Capital Management, os agricultores brasileiros permanecem sob "tremenda pressão", na medida em que os custos de produção corroem seus caixas, e o resultado é que o setor está repleto de falências e atrasos no pagamento de dívidas. De outro lado, fabricantes e distribuidores de insumos têm sofrido com uma redução de vendas e compressão de margens.
Apesar dessa combinação desfavorável, Tashjian aponta como fatores interessantes a eliminação de gargalos e os investimentos na infraestrutura brasileira. "Não vamos esquecer que apesar de um ambiente de baixos preços e de uma perspectiva macroeconômica pobre, o patamar de crescimento do agronegócio brasileiro ainda ficou entre 1,5% e 2% em 2015", diz.
Um efeito prático da conjuntura atual, porém, já se vê: o foco do investimento estrangeiro em agricultura, que até quatro anos atrás era voltado ao Brasil, começa a estender-se a países da América Latina, como Argentina e Colômbia.