O plano de recuperação judicial do Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP), protocolado à Justiça na última sexta-feira (27), apresenta uma grande possibilidade de reação do terminal. No entanto, também expõe fragilidades do início da exploração da estrutura, como a não revisão, por parte da concessionária Aeroportos Brasil, de estudos de demandas previstos no contrato de concessão, firmado em 2012. As opiniões são de dois especialistas que analisaram o documento a pedido do G1.
No plano de recuperação judicial, a concessionária Aeroportos Brasil propõe soluções para a dívida de R$ 2,88 bilhões com a elaboração de um cronograma de pagamentos aos credores. Estão previstos flexibilização do passivo e aumento do prazo para garantir a operação do terminal. Viracopos é o primeiro aeroporto do Brasil a pedir recuperação. Veja abaixo detalhes do plano.
Uma das justificativas do aeroporto para a crise financeira que determinou o pedido de recuperação judicial foi a demanda de passageiros e cargas ter ficado abaixo do previsto pelo governo federal no início da concessão. O especialista em gestão pública Benedito Florêncio Silva acredita que, apesar do número ter sido definido pela União, a concessionária deveria ter feito um estudo próprio e se resguardado de que a movimentação poderia não ser a esperada.
"Uma empresa privada tem que ter um provisionamento contábil visando o insucesso. É a mesma coisa quando você compra uma ação. Você sabe do risco. A concessionária não fez essa previsão e deveria ter feito. O que aconteceu foi uma mescla de erros governamentais e má gestão. Esse plano é o único caminho viável, já que Viracopos foi o primeiro exemplo de que o modelo de privatização de aeroporto pode não dar certo", afirmou Silva.
De acordo com o especialista, o plano é efetivo, principalmente pelo alongamento do prazo de pagamento de dívidas de 15 para 25 anos. Além disso, por alguns dos credores serem do próprio governo - BNDES (empréstimos) e Anac (dívidas de outorgas) - a opinião de Silva é de que a aprovação do documento será mais fácil, já que o plano é a única opção viável para a diminuição do passivo.
Por outro lado, o plano vai ter que contar com a retomada do mercado, com o aumento do fluxo de passageiros e a presença de novos investidores para fazer o terminal garantir mais fluxo de caixa.
"Os recursos vão ter que ser frutos do desempenho e isso pode não dar certo. Esse é o fator de risco. É isso que pode invabilizar o plano, porque a ideia do plano é boa, a reação é possível, mas ela vai ter que contar com o mercado e, se o mercado não corresponder, não vai dar certo. A juíza será obrigada a decretar a falência e a situação vai ficar pior", explicou.
Realista, com fragilidades
O professor da área de transportes da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp Carlos Alberto Bandeira Guimarães também entende que o plano é "realista e possível".
Prioriza, principalmente, o pagamento de fornecedores, que são credores que podem realmente afetar o funcionamento do terminal. No entanto, também apontou que a concessionária não se preparou para a frustração da demanda.
"Eles deveriam ter feito o próprio estudo de demanda, contratar uma consultoria para fazer isso, isso seria essencial para se resguardar. Acho que eles esperavam resolver o problema depois, mas não foi possível estancar o problema", disse.
A concessionária Aeroportos Brasil Viracopos informou que o estudo de demanda foi planejado e estruturado pelo governo federal e a empresa o considerou porque era a análise oficial prevista no contrato.
O Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (Foto: Ricardo Lima)
O plano
As dívidas de Viracopos se dividem em débitos com bancos – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outras quatro instituições privadas – além de fornecedores, inclusive empresas responsáveis por serviços diretamente ligados à operação do aeroporto, e outorgas fixas e variáveis de 2017 e 2018 que a concessionária deveria pagar à Anac pela concessão da estrutura.
A proposta de recuperação judicial do aeroporto pretende, além de alongar o prazo, flexibilizar valores atualmente congelados em contas responsáveis por arcar com financiamentos de bancos. Se o plano for aceito, a ideia da concessionária é priorizar o pagamento de fornecedores e outorgas para que a operação de Viracopos não seja prejudicada.
O plano protocolado aborda ainda questões que não estão relacionadas diretamente com as dívidas do aeroporto, mas sim com a perda de receita durante os cinco anos de concessão, apontada com uma das razões para o pedido de recuperação judicial.
De acordo com o presidente da concessionária, existem pelo menos três fatores de desequilíbrio no contrato e o documento pede que a juíza responsável pelo processo faça a intermediação com a Anac para que aconteçam as compensações.
Um dos fatores de desequilíbrio são as cargas em perdimento, remessas que chegam no aeroporto e por algum motivo ficam paradas sem destinação. A concessionária entende que o valor do produto parado deveria ser reposto pela Receita Federal, o que não aconteceu. Além disso, a redução no valor da tarifa de cargas internacionais que chegam em Viracopos e vão para outros terminais também causou perda de dinheiro. Segundo a Aeroportos Brasil, as duas questões geraram o prejuízo de R$ 711 milhões.
A concessionária ainda aponta que, no início da concessão, a previsão era de que o governo federal desapropriasse 17 km² de área para a expansão do terminal e a construção de um complexo com shopping, hotel e centro de convenções. No entanto, ainda restam 4 km² para serem desapropriados, o que também é um objeto de cobrança no plano. O valor do espaço é de R$ 2,5 bilhões.
"Para os conceitos de aeroportos modernos , essas áreas de exploração são muito importantes, então é claro que fez falta para eles, mas não é essencial para o aeroporto ter chegado à essa situação, então esse argumento se torna frágil", relatou Guimarães.
O que diz a a Anac
A Agência Nacional de Aviação Civil informou ao G1 que, em relação à tarifa de cargas, já houve a compensação de R$ 209,9 milhões à concessionária. Já para as cargas em perdimento, o pedido está em análise jurídica da Anac e aguarda manifestação da Secretaria de Aviação Civil (SAC).
Por fim, sobre as desapropriações, a agência disse que "encaminhou análise preliminar" e solicitou mais informações à concessionária no dia 22 de maio. O órgão afirmou que aguarda resposta da Aeroportos Brasil.
Recuperação judicial
O pedido de recuperação judicial de Viracopos foi protocolado no dia 7 de maio e aceito pela 8ª Vara Cível da Justiça de Campinas no dia 23 de maio. Ele é uma medida usada por empresas em dificuldades econômicas para evitar a falência. Com ele, foi suspensa temporariamente a execução de garantias de dívidas e o processo de caducidade aberto pela Anac em fevereiro.
Viracopos ainda tem multas a pagar pelo atraso nas obras de ampliação – o novo terminal foi inaugurado em 2014 sem estar concluído e só em 2016 toda a operação foi transferida. Inicialmente o valor era de R$ 90 milhões, depois foi para R$ 60 milhões, e o aeroporto recorreu para reduzi-lo ainda mais.
A Infraero detém 49% das ações de Viracopos. As outras 51% são divididas entre a UTC Participações (45%), Triunfo Participações (45%) e Egis (10%). Os investimentos realizados pela Infraero correspondem a R$ 777,3 mil. A Triunfo e a UTC são investigadas pela Operação Lava Jato e estão em recuperação judicial desde 2017.
A recuperação judicial foi a última opção encontrada pela concessionária de Viracopos. No final de março, o presidente da Aeroportos Brasil informou ao G1 que havia entrado com um pedido de liminar na Justiça para obrigar o governo a analisar a relicitação, pedida em julho de 2017. Com a liminar negada, a estrutura precisou entrar com o processo para evitar a falência.
A justificativa para o pedido de relicitação foi a crise financeira que atingiu o terminal e a frustração da demanda dos passageiros e cargas. No entanto, a solicitação de Viracopos ao governo de devolução da concessão ficou pendente por conta do atraso na publicação do decreto que regulamenta a lei 13.448, que vai definir as diretrizes dos processos de relicitações de portos e aeroportos do Brasil. Sem resposta, a consessionária aponta que única alternativa para garantir a operação do terminal foi a recuperação judicial.
02/08/2018