Até 10% da atividade econômica europeia depende do turismo, portanto, a perda da temporada deste ano é um preço que nenhum governo pode arcar.
À espera: funcionário prepara cadeiras em praia de Barcelona, na Espanha — Foto: Angel Garcia/Bloomberg
Blanca del Rey está sentada em frente ao palco na casa de flamenco onde dançou para John Lennon até o amanhecer e onde também certa vez seu falecido marido não deixou Salvador Dalí entrar com sua onça pintada de estimação.
Agora, está tudo escuro enquanto ela aguarda a volta dos turistas após meses de pandemia. A esperança de Del Rio de ressuscitar seu “tablao” de flamenco - um dos mais ilustres de Madri - está entrelaçada ao destino do turismo na Europa, um setor de € 800 bilhões, na luta mais importante de sua vida: retomar o máximo possível dos negócios no restante do ano.
“Só poderemos reabrir quando o turismo retornar a seus níveis normais”, diz o filho de Del Rey, Armando, enquanto olha o diminuto palco, normalmente repleto de músicos e dançarinos em duas sessões por noite. “Temos mais de 70 funcionários e organizamos as melhores produções. Precisaremos de quase 100% de ocupação, ou não conseguiremos.”
“Vivemos graças ao turismo estrangeiro”, diz Del Rey, de máscara. “As pessoas muitas vezes não dão valor à beleza ao seu redor, então precisamos do olhar virgem das pessoas de fora.”
O flamenco é parte fundamental da cultura espanhola e os visitantes de fora da Espanha representam 95% da receita dos cerca de 100 “tablaos” do país. Mas no início deste verão de 2020 em Madri quase não há turistas estrangeiros.
“Quando”, “como” ou “se” eles vão retornar é de enorme importância para Madri, para a Espanha e para a Europa como um todo, o maior destino turístico do mundo.
O turismo representa 12% do Produto Interno Bruto (PIB) da Espanha, talvez o país rico mais atingido pelo impacto econômico da crise da covid-19, com uma taxa de mortalidade entre as mais altas da Europa e o risco de cerca de 20% das pessoas ficar sem emprego até o fim de 2021. Até 10% da atividade econômica europeia depende do turismo, portanto, a perda da temporada deste ano é um preço que nenhum governo pode arcar.
Há duas grandes dúvidas: quanto da temporada de verão ainda é possível salvar e se os esforços para socorrer o setor podem corroer o trabalho de manter a pandemia sob controle. À medida que reabrem, os países correm o risco de importar casos de covid-19 de outros lugares com níveis bem maiores de incidência.
“Este não é um ano normal. Tudo o que estamos fazendo é tentar mitigar as perdas”, diz Tom Jenkins, executivo-chefe da Associação Europeia de Turismo, órgão setorial das empresas de viagem da região. “Para a indústria de turismo da Europa por si só, vale a pena correr o risco de uma segunda onda para conseguir alguma receita.”
Planos de reabertura: Governos e empresas rejeitam a ideia de que estejam colocando a vida das pessoas em risco. Mas o setor está em grande dificuldade, pois já perdeu metade do auge da temporada, após os confinamentos terem inviabilizado viagens de férias na Páscoa e em maio.
Os países começam a reabrir agora. Em 21 de junho, o dia em que acabou o rígido lockdown na Espanha, o governo também levantou as restrições a visitantes da área Schengen, de livre circulação de pessoas na Europa e do Reino Unido. Na terça-feira, a União Europeia (UE) elaborou uma lista de 15 países que recomenda eximir de sua proibição de entrada em razão da covid-19 - embora a Itália não esteja seguindo essa lista e tenha mantido as exigências de quarentena para visitantes de fora da área Schengen. Os EUA não estão entre os 15 países da lista. Visitantes da China só terão permissão para entrar quando houver acesso recíproco para europeus. O Reino Unido prepara a divulgação de sua própria proposta de “corredores aéreos” - as rotas entrando e saindo do país que não estarão sujeitas a regras de quarentena.
Todas essas medidas foram tomadas para ressuscitar o turismo e manter vivos desde estabelecimentos como o Corral de la Morería, o espaço de flamenco de Del Rey, que tem uma estrela Michelin, até empresas aéreas com receitas de centenas de milhões de euros.
Muitas firmas estão em situação de desespero. A Tui, maior operadora turística da Europa, precisou de um crédito de € 1,8 bilhão do governo alemão para enfrentar a crise. Firmas menores, como a britânica Specialist Leisure, que oferece tours de ônibus e em rios pela Europa, já entrou no processo de recuperação judicial.
O colapso no turismo também aprofundou os problemas do setor de aviação, que vive seu pior ano em um século de existência. Em abril, as viagens aéreas no mundo caíram 95% ante mesmo mês de 2019. Segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), as empresas aéreas tiveram um prejuízo de US$ 230 milhões em média em cada dia deste ano e deverão fechar o ano com um prejuízo total de mais de US$ 80 bilhões.
Nomes como Ryanair, easyJet e British Airways vêm cortando empregos aos milhares, os primeiros passos em uma reestruturação do setor que, segundo analistas, provavelmente resultará no encolhimento das empresas aéreas, assim como na queda no número de rotas e em sua frequência.
Daí a urgência de retomada das atividades e dos países terem começado a convocar turistas praticamente assim que as restrições a viagens domésticas acabaram. Mas os governos têm plena consciência do desafio - e dos riscos.
03/07/2020