São Paulo, 26/01/2015 - O aumento do número de empresas no Brasil caminhando para recuperação judicial está abrindo um novo filão para operações de fusões e aquisições no País. Esse tipo de negócio deve ganhar ainda mais força com o desencadeamento da Operação Lava Jato, que investiga corrupção em contratos da Petrobras, e que vem deixando algumas empresas em complicada situação financeira. Essas companhias em situação de "pré-quebra" começam a atrair alguns fundos de private equity mais acostumados com esse tipo de investimento de maior risco.
O interesse por esse tipo de ativo tem como principal sustentação o fato de que muitas dessas empresas estão com o valor de seus ativos deteriorados, o que acaba despontando como boas oportunidades de retorno aos olhos dos investidores. "Há diversas empresas em recuperação judicial que, para se recuperarem, necessitam de injeção de capital. Aí a porta aberta para os fundos de investimento", explica o professor de direito comercial da Universidade de São Paulo (USP), Marcelo Proença.
Mais conhecidos no exterior, esses fundos, com mais gosto pelo risco, têm a atenção voltada para ativos bastante desvalorizados. No Brasil, os fundos dessa modalidade estão começando a aparecer, atraídos pelo maior número de empresas em dificuldades financeiras. Felipe Kim, sócio do Tauil & Chequer Advogados, diz que esse tipo de negócio tem atraído investidores financeiros, e que muitos deles também fazem negócio, não com a injeção direta de capital na compra de uma participação, mas com a compra de títulos de dívida, vendidos com o preço muito abaixo do valor de face. Kim, inclusive, está assessorando um fundo na aquisição de uma companhia em recuperação judicial.
Renato Carvalho, sócio da consultoria Íntegra Associados, especializada em reestruturação corporativa e que já atuou em casos de companhias como Parmalat, Daslu e Grupo Coimex, diz que esse assunto está aquecido no Brasil, principalmente porque o número de empresas em recuperação judicial deve crescer neste ano. Segundo dados da Serasa Experian, 828 empresas pediram recuperação judicial em 2014, sendo que no período, 671 tiveram o pedido deferido. Um dos avanços da legislação, lembra Carvalho, está no artigo 60 da Lei de Recuperação Judicial, que determina que as dívidas da empresa não recaiam sobre o comprador de unidades produtivas isolada, ou seja, de um ativo ou subsidiária, por exemplo, dessa empresa em recuperação judicial, o que elimina um risco.
O presidente do conselho da TMA (Turnaround Management Association) no Brasil, associação com sede nos Estados Unidos que reúne profissionais atuantes na área de reestruturação e recuperação de empresas em crise, Leonardo Lins Morato, conta que o espaço para esse tipo de operação nasceu com a Lei de Recuperação Judicial em 2005, sendo que a mesma foi "testada" na crise financeira de 2008. "Há um aumento de interesse de diversos fundos, não só do Brasil, mas de fora, que estão olhando oportunidades no Brasil relacionadas à área de reestruturação", destaca o especialista. Segundo ele, por se tratar de um negócio muito mais sofisticado e que envolve mais riscos, a busca de especialistas em reestruturação se torna essencial para a condução da transação.
Os fundos estrangeiros, em especial os norte-americanos, devem dar o impulso inicial para essas transações, mas fundos brasileiros já começaram a se estruturar com apetite por empresas em situação de recuperação judicial, conta o sócio da área de Insolvência e Contencioso do escritório Dias Carneiro Advogados. "O interesse dos fundos em 'distrassed' aumentou. Desde que a lei de recuperação judicial surgiu no Brasil os fundos começaram a olhar. Agora esse tipo de negócio é uma tendência, tendo em vista a expectativa de um maior número de companhias no Brasil pedindo recuperação judicial", diz. Segundo o especialista, as consultas de fundos com interesse em empresas nesse contexto cresceram e que o primeiro semestre deste ano deverá ser recheado de negócios dessa natureza, dada a expectativa de mais empresas em dificuldades financeiras.
Carvalho, da Íntegra, destaca que uma das formas mais seguras para realizar esse tipo de transação é pelo mecanismo de aquisição de dívida conversível em ações. "Em aquisições dessa modalidade não há tempo para um due diligence intenso, a transação precisa ser ágil e precisa fazer uso de mecanismos mais sofisticados. Com a dívida, ele não tem contaminações com contingências", diz. Carvalho lembra que, nesse tipo de negócio feito pelo fundo, o contrato deve estar claro em relação a essa conversão, de forma a proteger o investimento.
O advogado especialista em recuperação judicial José Antônio Miguel Neto confirma o maior interesse dos fundos, que estão detectando boas oportunidades de investimento. Ele conta que, neste momento, está assessorando um fundo estrangeiro na aquisição de uma participação em uma companhia do setor de cosméticos no Brasil nesse contexto. "Esse tipo de situação (empresas em recuperação judicial), tem permitido que compradores adquiram ativos muito bons", destaca Miguel Neto. O especialista diz que a legislação tem melhorado no sentido de trazer mais segurança jurídica aos compradores, mas que ainda tem pontos que, na sua opinião, merecem cautela.
Miguel Neto lembra que o interesse firme para a aquisição de empresas em recuperação judicial desencadeia um leilão, que é regra em processos envolvendo empresas nessa situação. A rigor, um leilão poderia chamar a atenção de outros fundos com esse perfil, o que poderia gerar uma disputa.
"Muitas vezes o fundo já negociou com os credores e na hora do leilão acaba não efetivando a aquisição", destaca. Segundo o especialista, muitos editais desses certames acabam sendo mais restritos em relação a participantes, por exigência dos próprio credores, de forma a mitigar o risco da negociação com os fundos.