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Falência dura pelo menos 16 anos e paga pouco a credor, aponta estudo

Capa falência

Em meio a um crescimento no número de falências no país, um estudo inédito feito pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) mostra um cenário dramático, especialmente para os credores das empresas em crise.

01/06/2023

 

Um processo demora pelo menos 16 anos para terminar, poucos bens do devedor são levados à venda e quem tem a receber acaba recuperando muito pouco: apenas 6,1% do passivo é pago, em média.

Nos primeiros quatro meses do ano, o número de falências requeridas cresceu, de acordo com dados da Serasa Experian. Foram 346 pedidos. No mesmo período de 2022, 258, o que representa um aumento de 34%. A maior parte das solicitações vem de micro e pequenas empresas (189) e do setor de serviços (133).

O levantamento da ABJ considera 6.269 casos que deram entrada na Justiça de São Paulo entre janeiro de 2010 e dezembro de 2020. A coleta dos dados ocorreu, portanto, antes da reforma da Lei de Recuperação e Falências (nº 11.101/2005), feita pela Lei nº 14.112 e que passou a valer no início de 2021. As novas regras, no entanto, têm potencial de resolver apenas alguns dos gargalos identificados, segundo especialistas.

“É a primeira vez que se mede quanto tempo esses processos demoram. Achávamos que seria ruim, mas não sabíamos quanto. E foi assustador e uma surpresa, 16 anos é muito tempo”, afirma o advogado Marcelo Sacramone, coordenador da ABJ e sócio do SOB Advogados. Sacramone conduziu durante anos processos de falência e de recuperação judicial como juiz auxiliar do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Há processos que superam duas décadas e ainda não se tem ideia de quando terminarão. O Mappin, maior loja de departamentos do país da década de 90, por exemplo, teve falência decretada em 1999. Outro caso antigo e bastante conhecido é o da Fazenda Reunidas Boi Gordo. A então concordata (hoje recuperação judicial) foi solicitada em 2001 e a falência decretada três anos depois.

A falência é o último passo para o empresário em crise. O grande problema da demora e da falta de efetividade do processo é que, segundo advogados, acaba estimulando as chamadas “empresas zumbis” - que abrem, mas não fecham. Além disso, dizem, perpetua uma lógica no Brasil de que o empresário não pode errar.

“Se vier a ter a falência, ela será eterna. O empresário é retirado do mercado e não consegue ter esse capítulo da vida resolvido para seguir adiante. Empreender é custoso”, afirma Sacramone.

Essa situação, na visão do advogado, acaba respingando nos termos dos planos de recuperação judicial aprovados pelos credores - com pagamentos em nove anos e deságio de 70% em média, segundo outro levantamento da ABJ. “Os planos em recuperações judiciais acabam sendo ruins porque para o credor a alternativa, que é falência, é zero”, diz.

Antes da reforma da lei, o falido ficava inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da falência até a sentença que extingue as obrigações. Agora está prevista uma possibilidade chamada de “fresh start”, que admite que o falido volte ao mercado depois de três anos contados da decretação da falência.

A falência é desinteressante para credores e devedores”

O benefício, no entanto, é visto com ressalvas por Ruan Carvalho Buarque de Holanda, sócio do Moraes & Savaget, que atua na área de insolvência. “Na vida prática, a empresa está cercada por várias outras ações [de cobrança] e o patrimônio do empresário muitas vezes bloqueado”, afirma.

Segundo a pesquisa da ABJ, a longa duração do processo de falência acaba resultando em pouco resultado prático. Apenas 12,1% dos ativos do devedor - como máquinas, imóveis e veículos, por exemplo - são recuperados para venda.

As dívidas são quitadas com o valor arrecadado com a alienação dos bens. Mas, segundo a pesquisa, somente 6,1% do passivo é pago, em média, aos credores. Isso significa que se existe R$ 100 em bens na falência apenas R$ 12 serão vendidos e recuperados. E apenas 6% desse valor serão revertidos ao pagamento dos credores.

“É um percentual tão pequeno que só se paga os custos do processo e os honorários do administrador. É um processo endógeno, que se autoconsome”, diz Sacramone.

Os maiores gargalos estão concentrados em duas fases do processo. A primeira delas é na arrecadação dos ativos, ou seja, no tempo que o administrador nomeado leva para tomar posse dos bens e colocá-los à venda. São cerca de 250 dias para arrecadação do primeiro ativo, que podem chegar a 900 dias caso a empresa não tenha bens.

É significativo, de acordo com especialistas, porque é um período em que o bem fica sem conservação o que, na prática, acarreta em perda de valor. Além disso, impacta no tempo entre a decretação da falência e a data do primeiro laudo de avaliação, que é em média de cinco anos e três meses - tempo bastante alto, segundo o estudo, por se tratar de uma etapa inicial da falência.

Segundo Sacramone, existem duas hipóteses para explicar o gargalo: “Ou o administrador não é eficiente ou ele não consegue localizar os bens do devedor, por ocultação do patrimônio, por exemplo”, diz.

Uma possível solução, afirma, seria a lei estabelecer um prazo para a arrecadação, o que atualmente não é previsto. Com a reforma, a lei de falências passou a fixar apenas o prazo de seis meses para o administrador vender os ativos da massa falida a partir da arrecadação.

Um segundo grande gargalo identificado é a venda dos ativos em leilão. Entre a primeira e a última tentativa de venda dos bens leva-se em média um ano e oito meses. Entre o último leilão e o encerramento do processo, cinco anos.

Até a reforma da lei, tentava-se garantir a venda pelo melhor valor do bem, normalmente o da avaliação. Com a reforma, foi criada uma dinâmica para alienação imediata do ativo o que, segundo Sacramone, pode ajudar a solucionar o gargalo.

Agora, a lei de falência estabelece três tentativas de venda, com intervalo de 15 dias entre elas. A primeira pelo valor de avaliação. A segunda por no mínimo 50% do valor avaliado. E a terceira, por qualquer preço.

O diagnóstico de demora e pouca efetividade ajuda a explicar outro dado identificado na pesquisa. Na grande maioria das vezes (92%) são os credores que pedem a falência do devedor por inadimplência. Os casos de pedidos voluntários de autofalência pela própria empresa são irrisórios (3,7%).

Para o advogado Ruan Carvalho Buarque de Holanda, o dia a dia mostra que a falência é desinteressante para credores e devedores. “Para começar a briga o credor deve fazer um desembolso forte, de 3% a 4% do valor da causa em custas, além dos honorários do advogado”, diz.

Se o credor ganha a causa, acrescenta Holanda, deve se submeter ao concurso de credores. Existe uma ordem de prioridade de pagamento. “O credor pediu a falência do devedor, pagou os custos do processo. Mas outros credores aproveitarão os resultados na frente dele”, diz.

Na visão do advogado, são os pequenos empresários os mais penalizados. “Com a recuperação judicial e extrajudicial cara e complexa para essas empresas de pequeno porte, o caminho é a falência que coloca esse empresário no limbo.”

Autor(a)
Valor Econômico
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