Os ex-trabalhadores da Vasp estão a um passo de conseguirem um feito inédito na história das falências brasileiras.
Eles terão a possibilidade de receber boa parte dos créditos a que têm direito sem se submeterem ao processo de falência da companhia aérea, decretada em setembro do ano passado. O que deve assegurar o pagamento é a venda da Fazenda Piratininga, um complexo agropecuário com 135 mil hectares no extremo norte do Estado de Goiás, pertencente ao empresário Wagner Canhedo e avaliado em R$ 500 milhões. Nesta semana, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) abriu os caminhos para que isso ocorra. A corte julgou que a Justiça do Trabalho deve conduzir o processo de posse (juridicamente chamado de adjudicação) da propriedade pelos ex-empregados e não o juiz da recuperação judicial da Agropecuária Vale do Araguaia, dona da Fazenda Piratininga. Com isso, a solução do impasse depende apenas da confirmação pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo do que já foi dado pela primeira instância, ou seja, a propriedade do bem. Na avaliação de especialistas - pela jurisprudência da Justiça do Trabalho e pelo histórico do processo que deu origem ao bloqueio da fazenda -, a confirmação deve ocorrer sem problemas.
A possibilidade dos 12 mil ex--trabalhadores da Vasp em todo país receberem seus créditos sem passar pelo processo de falência se deve a uma ação civil pública proposta em 2005 pelo Ministério Público do Trabalho, Sindicato Nacional dos Aeronautas e Sindicato Estadual dos Aeroviários. O processo teve o objetivo de assegurar aos empregados o pagamento dos salários atrasados e a solução de uma série de irregularidades relacionadas às obrigações trabalhistas cometidas pela Vasp, cujos valores chegam hoje a quase R$ 1,6 bilhão. Um acordo assinado por Wagner Canhedo perante a Justiça do Trabalho no mesmo ano, no qual ele se comprometia a pagar os salários atrasados dos trabalhadores e cumprir uma série de normas trabalhistas que não vinham sendo observadas também colaborou para que a adjudicação ocorresse. Nesse documento, o empresário teria reconhecido a responsabilidade solidária do grupo econômico, formado por três empresas, pelo pagamento dos débitos trabalhistas existentes caso a Vasp não os quitasse.
A mesma ação civil pública que pediu o cumprimento de deveres trabalhistas também pediu a intervenção da Vasp, aceita pelo Judiciário e que perdurou até a aprovação da recuperação judicial da empresa, em junho de 2005. No ano passado, a falência da empresa foi decretada pela Justiça de São Paulo. Mesmo com a recuperação e posteriormente com a falência, o processo para a cobrança do pagamento dos trabalhadores continuou a correr no Judiciário. A ação principal já transitou em julgado e assegurou o bloqueio da fazenda. A partir dessa decisão, os sindicatos dos trabalhadores envolvidos no processo pediram a posse do bem concedida pela primeira instância. Os advogados que representam Canhedo, Cristina Pires Furtado e Everson Ricardo Arraes, do escritório Pires Furtado e Advogados Associados, recorreram ao TRT contra essa decisão, que aguarda o pronunciamento do tribunal. Paralelamente a esse processo, foi pedida a recuperação judicial da Agropecuária Vale do Araguaia, dona da Fazenda Piratininga, concedida pela Justiça de Brasília. Ao obter a recuperação judicial, a empresa ficaria protegida por pelo menos seis meses da execução de credores, o que em tese incluiria a fazenda.
O STJ nesta semana, porém, decidiu no recurso chamado conflito de competência que o pedido de adjudicação da fazenda foi feito bem antes do pedido de recuperação judicial e que o prazo de seis meses de proteção já teria corrido. Por essa razão, o processo voltou para a Justiça do Trabalho. Dessa decisão, não cabe mais recurso no STJ. O advogado que representou o Sindicato dos Aeroviários do Estado de São Paulo no conflito de competência, Carlos Duque Estrada Jr, afirma que se a fazenda for levada a leilão, dos 12 mil trabalhadores do país com créditos a receber, cerca de dez mil terão toda a dívida quitada, pois a maioria nesses casos tem créditos abaixo de R$ 100 mil. O valor da dívida da Vasp está na casa dos R$ 1,6 bilhão, segundo ele.
A advogada de Canhedo, Cristina Pires Furtado, afirma que aguarda o julgamento do recurso contra a adjudicação e também um recurso de exceção de suspeição do juiz da primeira instância que acompanhava o caso. Segundo ela, o magistrado deveria ter se declarado suspeito para julgar o processo, pois deu entrevista à imprensa sobre o caso, o que o Estatuto da Magistratura proibiria. Everson Ricardo Arraes acrescenta que esses créditos deveriam ser cobrados na falência da Vasp, pois a empresa teria patrimônio suficiente - avaliado em R$ 4 bilhões -, entre imóveis e aeronaves, para cobrir os débitos.
Autor: Zínia Baeta
Fonte: Valor Econômico (30/10/2009)