Fabio Carvalho: "A dinâmica de desconto elevado não me parece infundada"
A família Civita fechou ontem a venda de 100% das ações do Grupo Abril para o advogado Fabio Carvalho, mas o anúncio da transação não resolve o destino da empresa. O acordo, que conta com o financiamento do banco BTG Pactual, adiou uma solução para a dívida de R$ 1,6 bilhão da editora, o que promete arrastar o problema pelos próximos meses. Havia uma expectativa de que, simultaneamente à compra das ações, fosse fechada a aquisição das dívidas bancárias, que somam R$ 1,1 bilhão e representam 70% da dívida total. Mas isso não aconteceu.
O acordo entre Carvalho e os Civita pegou Bradesco, Itaú Unibanco e Santander de surpresa e não se descarta que os bancos optem por fechar negócio com outro grupo que concorre com o advogado para ficar com a empresa. A proposta vem sendo costurada pela Guilder Capital, do executivo João Consiglio, e que conta com o suporte financeiro da BRZ Investimentos, gestora que trabalhava na montagem de um fundo para fazer investimentos de impacto, além de empresários que preferem se manter anônimos como o fundador da Natura Guilherme Leal.
Segundo o Valor apurou, a Guilder ofereceu comprar as dívidas bancárias com desconto de 90%. Já a Enforce, empresa de recuperação de crédito do BTG, aliada a Carvalho, propôs desconto de 94% para pagamento à vista. "Não havia um compromisso assumido com nenhum dos lados, então, agora é que o jogo vai começar", afirmou o executivo de uma instituição financeira.
Como têm a maior parte da dívida, os bancos têm o poder de aprovar ou rejeitar qualquer plano que a companhia apresentar em assembleia de credores.
Ao fechar a venda de 100% das ações do Grupo Abril, a família Civita não só sai do comando daquele que já foi um dos maiores grupos editoriais do país, como deixa na praça uma dívida bilionária com funcionários, bancos e fornecedores.
Pelos termos do acordo assinado, os irmãos Giancarlo e Victor Civita, netos do fundador do grupo, ficam livres de quaisquer ônus e Fabio Carvalho assume a responsabilidade por todo o endividamento da empresa. Essa foi uma condição da família para aceitar ceder o controle da Abril, que está em recuperação judicial desde agosto.
Carvalho afirmou ao Valor que pagará R$ 100 mil pelas ações da família, valor considerado alto quando comparado ao de outras transações semelhantes, em que cifras simbólicas são registradas em contrato para justificar a transferência de empresas quebradas.
De qualquer forma, os Civita estão longe de sair de mãos vazias. Em fevereiro de 2015, quase dois anos após a morte do pai Roberto Civita, Giancarlo acertou a venda do controle, em duas etapas, da Abril Educação, hoje rebatizada como Somos Educação, para o fundo Tarpon por R$ 1,3 bilhão. Em dezembro daquele ano, pressionada pelos bancos credores durante negociação para alongar o perfil da dívida da Abril, a família aportou R$ 450 milhões na empresa. A maior parte do dinheiro da venda do segmento de educação, entretanto, ficou preservada.
Carvalho, que se especializou em assumir empresas em dificuldade, confirma a informação de que será financiado pelo BTG Pactual. Banco e advogado têm um relacionamento próximo e já atuaram juntos nos casos das varejistas Casa & Vídeo e Leader e também na Bravante, empresa de apoio marítimo no setor de óleo e gás.
Se conseguir comprar as dívidas como pretende, o BTG assume o lugar dos bancos na recuperação judicial da Abril e passa a deter a maioria dos votos para aprovar um plano em comum acordo com o advogado.
Na conversa com o Valor, Carvalho deixou claro que pretende seguir com o plano já proposto pela Abril na recuperação judicial e que desagradou credores de forma geral.
A companhia, assessorada pela consultoria Alvarez & Marsal, propôs um deságio de 92% nas dívidas e pagamento dos 8% restantes em 18 anos.
"A dinâmica de desconto elevado não me parece infundada. Estou habituado à reconstrução de acordos com credores em período de crise", disse Carvalho.
A dívida trabalhista soma R$ 110 milhões e Carvalho afirmou que manterá a proposta de quitá-las conforme o plano apresentado, com limite de R$ 238,5 mil por funcionário, ou o equivalente a 250 salários mínimos. Esse valor será divido em 12 parcelas.
Além de comprar as dívidas bancárias, o BTG Pactual deverá financiar o aporte de R$ 70 milhões que o advogado disse que prevê fazer na Abril para a empresa, que está com geração de caixa negativa, continuar rodando e também para pagar compromissos mais urgentes.
"Minha relação comercial com o BTG é longa", disse. Questionado se a instituição teria influência na gestão, o empresário negou. "Será apenas meu credor."
O BTG Pactual não quis comentar. Uma pessoa próxima ao banco nega que exista interesse em assumir o negócio ou responder pela parte editorial das publicações da Abril. Do ponto de vista comercial, o banco pretende usar o cadastro de leitores das publicações da editora para gerar novos clientes para sua plataforma BTG Pactual Digital, um supermercado financeiro. Seria algo similar ao modelo que a XP Investimentos tem com o site de notícias financeiras Infomoney. (Colaborou Sérgio Tauhata)
21/12/2018