O Ministério da Fazenda criou uma "força-tarefa" para acompanhar a situação das empresas investigadas pela Operação Lava-Jato. O objetivo é tentar recuperar dívidas que os grupos têm com a União antes que a situação patrimonial deles fique comprometida com outros compromissos financeiros. As companhias devem ao menos R$ 1,2 bilhão ao Tesouro, de acordo com dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN, vinculada ao Ministério da Fazenda), mas o número continua aumentando conforme a Receita Federal vem aplicando novos autos de infração.
"Tenho medo que eles não tenham patrimônio para pagar as dívidas. Preocupa profundamente", diz ao Valor Anelize Lenzi Ruas de Almeida, diretora de Gestão da Dívida Ativa da União na PGFN. Segundo ela, o órgão viu necessidade de se mobilizar para tentar recuperar esses recursos - que têm principamente origem tributária e previdenciária - antes que seja tarde.
Uma das preocupações é a União não ser contemplada (diferentemente da estatal Petrobras, por exemplo) no âmbito judicial sobre a Lava-Jato. "Uma decisão do juiz Sérgio Moro [responsável pelos réus da Operação sem foro privilegiado] que considerar todos os bens do réu como frutos de ilícito pode bloquear todo o patrimônio do réu. Então como seria paga a dívida com a União? Eu ficaria só estocando minha dívida", afirma Anelize. "Então estamos discutindo como a Fazenda Nacional entra como parte desse sistema".
Com a "força-tarefa", a PGFN quer acelerar os trâmites de cobrança e evitar que os autos de infração contra as companhias fiquem "podres". "A nossa ideia é parar de andar no automático", afirma. A atuação também pode ocorrer no âmbito judicial. "É tanto para acompanhar as questões jurídicas como para preparar novas ações", diz.
A preocupação da diretora é maior quando as empresas entram em processo de recuperação judicial. "A Fazenda Nacional não entra no rol dos credores na recuperação judicial. É uma lógica perversa de que a cobrança dos tributos não pagos é ruim para a empresa. É cruel para nós, que temos que ficar esperando", diz.
A Mendes Júnior lidera a lista de devedores entre as companhias citadas na Lava-Jato ligadas ao ramo de engenharia e construção, com mais de R$ 1 bilhão em dívidas, de acordo com dados da PGFN. Procurada, a empresa informou que não tinha um porta-voz para comentar os números.
A situação dos grupos da Lava-Jato agrava a os números da dívida ativa da União, que foi superior a R$ 1,5 trilhão ao fim do último ano. Boa parte (85%) do estoque total é considerada como "perda provável" pelo Tesouro - pelo fato de essa parcela não ser cobrada na Justiça, não ser protegida por garantia ou ainda não ter sido alvo de acordo de parcelamento nos últimos anos.
Recentemente, a PGFN passou a trabalhar com parlamentares em um projeto que considera "aceitável" para arrecadar recursos para o Tesouro ao promover a securitização de até R$ 80 bilhões da dívida. Mas o órgão continua "100% contra" a venda ou a cessão (diferente da securitização) da dívida ativa.
O presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), Achilles Frias, diz que o risco de calote oferecido pelas empresas é potencializado no caso das investigadas na Lava-Jato: "À medida que [as empresas investigadas] são expostas, começam a dilapidar a proteção de patrimônio. Esse é um risco real, que é potencializado".
De acordo com Frias, os números indicam ainda que a sonegação tributária está relacionada à corrupção. "O dinheiro que é desviado via sonegação gera o caixa dois. E é com esse caixa dois que elas promovem a corrupção e também o financiamento ilegal de campanha", diz Frias. Ele defende o fortalecimento do órgão para aumentar a cobrança das dívidas. "Existe o risco, é inerente a todo estoque da dívida. E o órgão está sucateado para cobrar."
Frias vai além e diz que há pressão por parte de grandes contribuintes para "sufocar" a PGFN. "Temos sentido por parte do governo um desinteresse grande, estamos denunciando há tempos. Existe lobby muito forte não só de grandes devedores, mas de escritórios de advocacia e também de bancos interessados em uma pretensa cessão da dívida ativa tributária", diz.
Ele também critica a proposta de cessão da dívida ativa à iniciativa privada. "Existem interesses mais diversos contrários à PGFN: grandes escritórios de advocacia, empresas devedoras, sonegadores e também instituições financeiras tentando desvirtuar a Constituição de modo a permitir a cessão da dívida ativa tributária da União, que nada mais seria do que a privatização da dívida de forma inconstitucional, porque a Constituição atribui à PGFN essa cobrança", diz Frias. (Colaborou Thiago Resende)