Sem opções diante da decretação da falência da "Varig velha" (hoje Flex) na sexta-feira pela Justiça do Rio de Janeiro, os credores da empresa podem voltar novamente seus esforços para a Gol Linhas Aéreas - que adquiriu parte da companhia em 2007. Segundo representantes de credores, boa parte deles deve continuar a bater na tecla, perante o Judiciário, da responsabilidade da Gol pelas dívidas da Varig. A companhia teria adquirido praticamente a totalidade do negócio e não apenas uma unidade produtiva isolada, como prevê a Lei de Falências. "Se há consistência jurídica ou não, é algo a se avaliar. Mas, com certeza, a Gol continuará a sofrer dor de cabeça com os credores da Varig", afirma um advogado da área que prefere não se identificar.
Ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha julgado no ano passado que não ocorre sucessão de dívidas trabalhistas na compra de ativos de empresas em recuperação judicial ou em processo de falência, especialistas da área afirmam que há inúmeros pontos e possíveis irregularidades do processo de recuperação da Flex que podem ser questionados, assim como a própria aplicação do julgamento do STF em casos concretos. "A quebra da Varig significa que a discussão sobre a responsabilidade da Gol vai continuar e aumentar, pois as pessoas querem receber", afirma outro advogado.
A falência da Flex foi decretada na sexta-feira pela juíza Márcia Cunha de Carvalho, em exercício na 1ª Vara Empresarial do Rio, e de duas outras empresas do grupo: Rio Sul Linhas Aéreas e Nordeste Linhas Aéreas. Segundo a Justiça do Rio, a decisão foi tomada em razão de pedido do próprio administrador e gestor judicial da companhia, que informou que as companhias em recuperação judicial desde 2005 não teriam como quitar seus débitos. A Varig, primeira a pedir recuperação judicial no país, saiu do procedimento em setembro do ano passado, sem ter solucionado suas dívidas, que no início do processo correspondiam a cerca de R$ 7 bilhões.
A Fundação Ruben Berta, dona de 87% dos papéis da Flex, discute com seus advogados a possibilidade de contestar judicialmente a falência. "Foi um crime a destruição do maior patrimônio desse país relacionado ao setor aéreo", afirma o presidente do conselho de curadores da entidade, Cesar Curi. Em 15 de dezembro de 2006, a Fundação Ruben Berta foi afastada judicialmente do comando da empresa ao tentar retirar a companhia do processo de recuperação judicial.
No ano passado, quando foi decretado o fim da recuperação judicial da Flex, a Fundação Ruben Berta poderia ter retomado o comando da empresa, mas não o fez. "Não houve recuperação judicial", justifica Curi. Ele afirma que a Gol, que comprou a "parte boa" da Varig, sem dívidas, por US$ 320 milhões em março de 2007, deveria ser responsabilizada pelo pagamento dos débitos aos credores.
Já o advogado de acionistas minoritários da empresa, Fabrício Scalzilli, afirma que a falência da Flex deveria ter sido decretada há pelo menos dois anos. De acordo com ele, a demora da Justiça para tomar a medida elevou a dívida da companhia para algo como R$ 10 bilhões. "Foi uma medida extremamente positiva. Agora, serão destravados os procedimentos para a venda de bens que possibilitem o pagamento aos credores", afirma ele, representante de acionistas que reúnem em torno de 10% do capital da antiga Varig.
Scalzilli afirma que vai recorrer a um dispositivo da lei de recuperação judicial para tentar obter mais recursos para os credores. Ele confirmará o período que a Justiça fixará como termo legal da falência. O advogado diz que se trata de um intervalo de tempo retroativo à decretação da falência, com o objetivo de apurar atos ou negócios realizados durante a reestruturação da Flex que podem ser anulados, caso fique comprovado prejuízos aos credores.
O presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores em Aviação Civil (Fentac), Celso Klafke, diz que não ficou surpreso. "A falência era mais do que esperada."
A empresa aérea regional Trip Linhas Aéreas confirmou interesse em assumir a operação de rádio da Flex de cinco aeródromos, mas que a decisão final só será anunciada até a próxima semana. "No presente momento, a TRIP Linhas Aéreas analisa o equilíbrio econômico e compatibilidade do negócio dentro de suas operações, que pode ocorrer tanto com a incorporação das estações de rádio já habilitadas, quanto por meio da solicitação de estações próprias", afirma em nota.
Procurada pelo Valor, a Gol informou que "não tem vínculo, ligação societária ou relação de qualquer natureza com as empresas Viação Aérea Rio-Grandense S.A. (Varig), a Rio-Sul Linhas Aéreas S.A. ou a Nordeste Linhas Aéreas S.A".
Autor: Alberto Komatsu e Zínia Baeta
Fonte: Valor Econômico (23/08/2010)