Maio, vice-primeiro ministro, disse que o plano da fusão está sendo elaborado
O que acontece quando você funde a principal empresa de aviação de um país com a estatal nacional de trens? Quem viajar à Itália vai poder descobrir em breve. A coalizão de governo populista do país segue empenhada em seguir adiante com um dos planos mais estranhos de estratégia comercial da Europa.
Depois de o governo federal ter sido obrigado a resgatar a eternamente deficitária Alitalia pela terceira vez em dez anos, o governo federal em Roma trabalhou por meses em um plano para fundir a principal empresa aérea italiana com a Ferrovie dello Stato Italiane, a operadora ferroviária nacional.
O governo também negocia com a EasyJet, do Reino Unido, e a Delta Airlines, dos Estados Unidos, para que as duas assumam um participação nessa nova Alitalia, reorganizada, recapitalizada e relançada.
É um plano arriscado, uma vez que o mercado de aviação europeu é brutalmente competitivo e as sinergias de uma combinação entre uma operadora ferroviária e uma empresa aérea nunca foram testadas. O setor viveu uma enxurrada de quebras de empresas de aviação nos últimos dois anos.
Da mesma forma que a Alitalia, duas outras grandes empresas aéreas europeias entraram em recuperação judicial em 2017, uma logo após a outra, a Monarch, do Reino Unido, e a Air Berlin. Grandes rivais como Lufthansa, EasyJet e IAG, acabaram arrebatando seus ativos.
Em fevereiro, a Flybmi, do Reino Unido, também quebrou, enquanto outra empresa aérea britânica, a Flybe, vendeu seus ativos para um consórcio que incluía a Virgin Atlantic, depois de praticamente ficar sem dinheiro.
No mesmo, mês a Germania, de Berlim, deixou de operar, na esteira de outras empresas menores como a Primera Air, da Letônia, a Cobalt Air, do Chipre, a Azur Air, da Alemanha, a Small Planet Airlines, da Lituânia, e a suíça SkyWork Airlines, que fecharam as portas no terceiro trimestre de 2018.
As condições não são as ideais para criar ou relançar uma empresa aérea, particularmente uma que há décadas é o equivalente a uma batata quente política. Vários governos federais precisaram equilibrar os enormes prejuízos da Alitalia com a necessidade de aplacar seus funcionários altamente sindicalizados e com a questão, de orgulho nacional, de manter uma empresa aérea italiana.
A possível fusão com a estatal ferroviária pode indicar que a coalizão populista italiana está disposta a promover uma intervenção estatal cada vez maior na economia. "A Alitalia se tornou símbolo das complexidades da intervenção estatal italiana na economia", disse Francesco Galietti, executivo-chefe da Policy Sonar, uma firma de consultoria de risco político com sede em Roma.
Luigi Di Maio, líder do Movimento Cinco Estrelas, e também vice-primeiro-ministro e ministro de Desenvolvimento Econômico, disse nesta semana que o plano para que Ferrovie dello Stato invista na Alitalia juntamente com parceiros do setor privado ainda está em elaboração e que está confiante em sua concretização. Um plano mais detalhado deverá ser anunciado nos próximos meses.
A questão é se há alguma lógica comercial em fundir a estatal ferroviária com a empresa aérea, mais além do objetivo de evitar as demissões politicamente sensíveis de funcionários e de manter uma empresa aérea nacional e a marca Alitalia viva.
O analista Mark Manduca, do Citigroup, disse que a ideia de uma empresa ferroviária assumir o controle de uma de aviação é incomum e que não consegue pensar em nenhum outro exemplo. Embora seja comum que os governos tenham participações em empresas de transporte - como a França tem na Air France-KLM, na Aéroports de Paris e na ferroviária SNCF - elas são como se fossem empresas irmãs, mas sem estratégias comerciais combinadas.
Fontes a par dos planos do governo italiano argumentam que há sinergias óbvias entre a Ferrovie dello Stato e a Alitalia, tanto dentro da Itália quanto para os turistas estrangeiros que visitam o país. A Alitalia já sofreu no passado com a concorrência de trens baratos de alta velocidade em rotas domésticas importantes, como a de Roma para Milão. Uma empresa combinada poderia ser capaz de administrar melhor esses serviços e evitar sobreposições desnecessárias.
Também pode haver a chance de combinar a venda de passagens ferroviárias a viajantes internacionais chegando aos aeroportos centrais de Roma e Milão. Um passageiro querendo ir de Nova York a Florença, por exemplo, poderia viajar combinando avião e trem.
Manduca disse que qualquer combinação teria potencial para abrandar a atual competição entre voos domésticos e trens de alta velocidade na Itália. "Essa mudança de participação de mercado teria acontecido de qualquer forma", disse, "e tê-la sob controle debaixo do mesmo teto provavelmente vai permitir planejar e mitigar melhor essa situação."
É complicado avaliar, no entanto, se uma aliança funcionaria bem, antes que o governo italiano defina o plano formal de fusão.
A empresa ganharia acesso ao novo capital que precisa desesperadamente, mas os problemas estruturais de longo prazo não desapareceriam no caso de uma fusão, uma vez que o cenário não é o ideal no mercado de aviação europeu. Os preços do combustível estão altos e o excesso de capacidade de voos derrubou as tarifas, tornando ainda mais difícil concorrer no setor. Frequentemente, os concorrentes mais fortes promovem aquisições.
Para que a nova Alitalia consiga sobreviver e resistir às pressões que eliminaram outras empresas aéreas europeias, vai ser crucial que ela consiga reduzir sua alta base de custos.
Isso significa que o governo italiano vai ter que convencer seus possíveis parceiros do setor privado, a easyJet e a Delta, de que os funcionários da Alitalia vão estar dispostos a apoiar uma reestruturação suficientemente grande para poder estancar as perdas de bilhões de euros que a empresa aérea acumulou ao longo de décadas de má gestão.
Delta e EasyJet vão ter que pensar cuidadosamente se vão ser capazes de reduzir o "quadro de funcionários altamente sindicalizado e aposentado" sem greves de grande escala, segundo Manduca. O envolvimento do Estado na nova empresa poderia dificultar isso.
Outro problema a ser resolvido pelo governo italiano são os empréstimos de 900 milhões de euros feitos pelo governo à Alitalia para manter a empresa funcionando. Em 2018, a Comissão Europeia (CE) abriu uma investigação para avaliar se isso constituiu uma auxílio governamental ilegal. A CE aguarda a reestruturação da empresa aérea para anunciar uma decisão. Os empréstimos foram prorrogados e o governo italiano espera que sejam pagos uma vez que a nova Alitalia surja nos próximos meses.
Galietti disse que a fusão e a reorganização da Alitalia vão ser uma tarefa ainda mais complicada depois do que ocorreu com a Atlantia, dona da concessão do Aeroporti di Roma, que administra o aeroporto Leonardo da Vinci em Roma, principal centro de conexões da Alitalia. A Atlantia ficou sob fogo cerrado do governo, após o desabamento em 2018 de uma ponte que administrava em Gênova, que resultou em várias mortes.
"Isso significa que a Alitalia pode acabar ficando ainda mais carregada de risco político do que se imaginava", disse.
07/03/2019