O Grupo Abril, um dos maiores grupos de comunicação do país, entrou ontem com pedido de recuperação judicial em São Paulo. O valor da dívida é de R$ 1,6 bilhão. É sobre esse valor que a companhia está pedindo proteção contra os credores. Além desse montante, há R$ 171 milhões em dívidas com alienações fiduciárias, que contam com proteção e não entram no pedido de recuperação.
"Não estava nos planos originais entrar em recuperação judicial tão rapidamente", disse ao Valor o presidente executivo do Grupo Abril, Marcos Haaland. "Recuperação judicial não é estratégia, é defesa", afirmou.
Nos últimos dias, depois que o grupo anunciou uma reformulação, com demissões e fechamento de revistas, alguns credores se tornaram mais "agressivos", disse Haaland, o que precipitou a ação para proteger a companhia. "Sofremos algumas ações abruptas e não esperadas, que começaram a tolher nosso capital de risco", afirmou o executivo.
A maior dívida da Abril é uma debênture de R$ 950 milhões, com início de amortização previsto para 2021. Os credores são um consórcio de bancos, informou o executivo. Além disso, há outras dívidas bancárias menores, além de débitos com fornecedores.
O Valor apurou que o principal credor bancário é o Bradesco, com cerca de R$ 500 milhões. O Itaú tem R$ 250 milhões e o Santander responde por uma fatia um pouco menor, disseram pessoas do mercado financeiro.
Haaland é sócio da consultoria Alvarez & Marsal, especializada em projetos de reestruturação de empresas. O executivo foi nomeado para a presidência da Abril em 19 de julho, em substituição a Giancarlo Civita, membro da família controladora do grupo.
Em 6 de agosto, menos de um mês depois de a Alvarez & Marsal ter sido contratada e Haaland assumir a presidência, a Abril demitiu 800 pessoas. Em dezembro, a empresa já tinha feito reduções de pessoal. O quadro atual, informou Haaland, é de 3 mil funcionários. Títulos como "Elle", "Casa Claudia", "Cosmopolitan" e "Arquitetura e Construção" foram fechados.
Atualmente, a Abril conta com 24 marcas, incluindo revistas, sites e serviços voltados a empresas, como a produção de conteúdo patrocinado. Não há planos de diminuir o número de marcas. "O que tínhamos de fazer [nesse sentido], já fizemos", disse Haaland. Também não está em discussão vender marcas para outras companhias.
Alguns títulos já são exclusivamente digitais, como "Capricho" e o portal "MdeMulher". As revistas "Veja", "Veja São Paulo", "Exame", "Claudia", "4 Rodas", "Saúde", "Superinteressante", "Você S/A" e "Você RH" continuarão a ter versões impressas e digitais. "Viagem & Turismo", "VIP" e "Placar" podem ter conteúdo apenas na web.
O próximo passo no processo de recuperação judicial é o sorteio do juiz que ficará encarregado do caso em uma das varas empresariais de São Paulo. Feito isso, a avaliação pode demorar entre uma ou duas semanas, em média. Se o pedido for deferido, a Abril terá 60 dias úteis para apresentar um plano de recuperação.
Há quatro grupos de credores: com garantia real, sem garantia, trabalhistas e pequenas e microempresas. Só no caso dos credores trabalhistas há exigência legal para liquidação em no máximo 12 meses. "Estamos fazendo um grande esforço para tentar antecipar ao máximo o passivo trabalhista", disse Haaland.
O pedido de recuperação judicial cobre todo o Grupo Abril. São quatro unidades: a Abril Comunicações, que publica as revistas; a gráfica, que presta serviços para a companhia e terceiros; a distribuidora de publicações, com o mesmo perfil de atuação; e a Total Express, voltada 100% à prestação de serviços terceirizados, principalmente a entrega de produtos vendidos por lojas virtuais.
A distribuição de publicações tornou-se o negócio mais oneroso, disse Haaland, devido à queda na circulação de revistas, tanto próprias quanto de outras editoras. "Esse negócio será redesenhado", afirmou.
A unidade responsável pela entrega de encomendas, disse o executivo, vem crescendo mais de 10% ao ano nos últimos três anos e tornou-se sustentável. "É um negócio promissor", afirmou.
A Abril Comunicações e suas empresas controladas encerraram o ano passado com prejuízo de R$ 331,6 milhões. No ano anterior, as perdas haviam somado R$ 137,8 milhões.
A tarefa, agora, será fazer as mudanças necessárias para ampliar a receita, disse o executivo. "Esse redesenho é o mais importante", afirmou. Um dos desafios é capturar um fluxo maior da publicidade digital. Publicações como "Veja" e "Quatro Rodas" têm apresentado forte crescimento no meio on-line, segundo Haaland.
No mercado financeiro, o pedido de recuperação judicial da Abril era considerado inevitável, de acordo com fontes consultadas pelo Valor. A empresa tem custos altos, geração de caixa em queda e poucos ativos para vender, disse uma pessoa próxima de um credor. Por conta dessa situação, as chances de recuperação dos empréstimos feitos ao grupo são remotas, afirmou.
A expectativa, porém, é que a situação da empresa não tenha impacto nos indicadores de inadimplência das instituições financeiras. Como as dificuldades da Abril já eram conhecidas, os bancos provisionaram os créditos, apurou o Valor. Provisionar, no jargão financeiro, significa fazer uma reserva já contando com a inadimplência.
Segundo um interlocutor, nos últimos anos houve diversas rodadas de reestruturação da dívida da Abril, mas elas não bastaram para resolver a crise, provocada pela perda de receitas.
Na Abril Comunicações, o faturamento caiu de R$ 1,4 bilhão há quatro anos para R$ 1 bilhão no ano passado, devido à redução da receita publicitária, segundo publicou a revista "Exame", ontem, em seu site.
A leitura de uma fonte é que o grupo tem poucas chances de encontrar um comprador, o que seria uma saída para resolver a situação. Há cerca de sete anos, a Abril foi orientada a vender o controle de sua empresa de logística e distribuição, disse essa pessoa. Na época, porém, a família optou por manter a operação por considerar baixo demais o valor atribuído ao negócio. "Agora, vale muito menos", disse esse interlocutor.
Em 2015, a companhia saiu do que havia se tornado seu braço mais rentável, a Abril Educação. A família Civita vendeu o controle desse negócio, por R$ 1,3 bilhão, à gestora de recursos Tarpon, que rebatizou a empresa de Somos Educação. Em abril deste ano, a Somos foi vendida à Kroton, a maior empresa de ensino do país.