As elevações da taxa de juros desde abril e os efeitos da valorização do real dificultaram a volta à plena saúde financeira para empresas que foram abaladas pela crise em 2009. Essa dificuldade provocou um aumento no volume de recuperações judiciais em 2010, movimento atípico para um ano de forte crescimento econômico. Desde julho cresceu o uso desse tipo de instrumento, que permite flexibilizar o prazo de pagamento a credores. No acumulado do ano até novembro, o número total bate em 443 pedidos, bem menor do que os 647 solicitados no mesmo período do ano passado, mas sensivelmente maior que os 266 de 2008.
O crescimento a partir de julho tem sido puxado não só pelas empresas do comércio, como também pela indústria. De julho a novembro, as empresas do comércio somaram 90 pedidos de recuperação, número parecido com os 94 de igual período do ano passado e bem maior que os 33 de 2008. Na mesma comparação, as indústrias totalizaram 75 pedidos neste ano, contra 79 no ano passado e 56 em 2008.
Carlos Henrique de Almeida, analista econômico da Serasa Experian, acredita que o aumento do número de recuperações, principalmente pelo comércio, reflete a alta da taxa básica de juros a partir de abril. "Isso encareceu o financiamento de curto prazo e esse é um segmento mais sensível a juros maiores para o capital de giro", diz. A taxa média de juros cobrada para capital de giro passou de 28,5% ao ano para 30,6% ao ano desde abril, segundo dados do Banco Central.
Os dados de crédito do Banco Central também indicam que o problema de atraso no pagamento de dívidas não acabou e novas empresas podem recorrer ao mecanismo de recuperação judicial de seus débitos. Entre as pessoas jurídicas, o percentual das dívidas em atraso por mais de 90 dias (inadimplência) subiu de 1,8% do total de empréstimos em dezembro de 2008 para 3,8% no mesmo mês do ano passado. Em 2010, a taxa recuou um pouco, mas em outubro estava em 3,5%. Nas operações de capital de giro, a inadimplência em dezembro de 2008 era de 1,5%, percentual que chegou a 3,3% em dezembro do ano passado, igual ao registrado em outubro deste ano. Para as pessoas físicas, os índices caíram ao longo do período. A inadimplência caiu de 7,9% da carteira total de empréstimos em dezembro de 2008 para 6% em outubro.
As indústrias, além do aperto monetário, sofrem também com a valorização do real. O impacto disso, diz Almeida, pode chegar de forma diferenciada para as indústrias, mas nas duas pontas: tirando a rentabilidade das exportações e propiciando maior concorrência com as importações. "As importações estão crescendo em ritmo maior que as exportações, em razão do câmbio e do nível de consumo doméstico."
Seja provocada pela taxa de juros ou pelo câmbio, ou pela combinação dos dois fatores, as empresas partem para o pedido de recuperação judicial, que, na prática, permite a flexibilização no pagamento de credores. Nesse caso a empresa apresenta um plano de recuperação judicial, que inclui estratégias de saneamento e precisa de aprovação por assembleia de credores.
Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), lembra que há heterogeneidade entre as empresas, mas acredita que a valorização do real e seu efeito sobre as importações vêm atingindo de forma crescente as indústrias domésticas.
Ele acredita que o efeito do câmbio não é tão grande para os exportadores, que são mais concentrados, em razão da própria pauta brasileira de vendas ao exterior. Para ele, a grande diferença está nas indústrias que concorrem com produtos estrangeiros. Ele lembra que, em razão da desaceleração econômica de regiões que são grandes importadores no mercado internacional, como a América do Norte e a União Europeia, há uma superoferta mundial. O mercado brasileiro, em razão de seu desempenho, é um alvo natural dos grandes exportadores mundiais.
Esse cenário amplia a concorrência enfrentada pelas indústrias brasileiras. "E há uma expectativa de crescimento da economia brasileira também no longo prazo, o que faz com que o exportador não veja suas vendas ao Brasil apenas como algo momentâneo, mas como uma forma de colocar o pé no país", diz Castelo Branco.
Para muitas empresas, acredita Castelo Branco, o câmbio e a importação não são causas de um pedido de recuperação judicial, mas o real valorizado é um fator conjuntural, que pode afetar uma empresa que ainda tenta se refazer dos efeitos da crise financeira de 2009 sobre os seus resultados.
É o caso da Terbraz Industrial, indústria metalúrgica que fabrica peças para equipamentos pesados de transporte, que entrou com pedido de recuperação judicial no segundo semestre. Segundo seu diretor, Alexandre Tercero, o grande baque para a empresa aconteceu quando a crise econômica fez encolher as encomendas à Terbraz. Tercero admite que a empresa tem muito o que melhorar na gestão, mas lamenta os impactos da desvalorização do dólar.
"Não posso dizer que a importação é a causa da nossa situação, mas ela dificulta a recuperação". diz Tercero. "Os preços lá fora têm diminuído e não temos competitividade para fabricar algumas peças no mesmo valor dos importados", diz. Por isso, conta, a empresa abriu mão de produzir alguns itens que concorrem diretamente com os importados e tenta mudar um pouco o foco de produção e diversificar a carteira de clientes.
A alteração contribuiu para a empresa mudar 30% do mix de produtos. Antes da crise, em 2008, diz o diretor, a Terbraz possuía 260 funcionários. Atualmente são cerca de 40 trabalhadores a menos. Para Tercero, a recuperação judicial é uma oportunidade que dá fôlego à empresa para as mudanças necessárias, inclusive de gestão, e isso deve propiciar o retorno ao nível anterior de produção e faturamento.
Almeida, da Serasa, acredita que há uma tendência de aumento gradativo da busca pela recuperação judicial, que é vista cada vez mais como instrumento de gestão. Para ele, porém, a evolução do número de pedidos de 2010 revela que o aumento recente dos requerimentos não se deve somente ao maior uso dessa solução, mas tem maior influência dos fatores conjunturais.
A boa notícia dessa busca à recuperação judicial é que, apesar das dificuldades, as que recorrem a esse instrumento, diz Castelo Branco, são empresas que têm oportunidade de ter um melhor planejamento e perspectivas de continuidade.
Autor: Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico (15/22/2010)