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As lições da crise para as empresas

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Um espectro rondou a Europa - e não foi o espectro do comunismo. Desta vez, foi a insolvência dos soberanos que assombrou o continente. Se a crise do subprime causou tantos estragos, o potencial de destruição de um eventual colapso dos PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) poderia ter sido ainda maior, se tivesse contaminado o cenário econômico e financeiro mundial, em que a indisciplina financeira dos governos tende ser a regra, não a exceção.

Tudo indica que a crise será superada. Não obstante, o seu risco potencial nos leva a constatar que fatores externos podem derrubar empresas, setores inteiros da economia e até países, ainda que não haja má gestão ou culpa de quem quer que seja. Em qualquer caso, a insolvência das empresas dificilmente pode ser atribuída exclusivamente à ação de alguns responsáveis - elementos externos estão quase sempre presentes.

O fato é que a crise do subprime nos ensinou que inúmeras empresas, muitas vezes em setores que estavam em franca expansão, se tornaram subitamente insolventes devido à falta de financiamentos, de liquidez ou de mercados, tendo por causa exclusiva ou concorrente a crise mundial. E vimos também que muitas dessas empresas conseguiram se recuperar, graças à concordância de seus credores em equacionar o perfil do seu endividamento, seja na mesa de negociação, seja em juízo.
Boa parte dessas reestruturações de dívida se tornou possível por força dos dispositivos da nova lei de recuperação de empresas e falência, a Lei 11.101/05. A referida lei introduziu duas novidades que redefiniram o marco institucional da insolvência das empresas.

A primeira delas é a submissão dos credores a um plano de recuperação judicial aprovado pela maioria deles, em vez da unanimidade burra que prevalecia anteriormente. A segunda é a quebra da sucessão das obrigações na venda de filiais e unidades produtivas isoladas pertencentes às empresas insolventes.
Aprendemos também que a recuperação de uma empresa endividada precisa ser financiada para ser bem sucedida, e os primeiros casos em que essa preocupação foi atendida começam a aparecer e a servir de modelos.

Assim, citando apenas casos em que tivemos participação direta, a Agrenco está emergindo do processo de recuperação judicial, podendo terminar a construção e a instalação de suas plantas de Caarapó e Alto Araguaia, contando com um capital de giro próximo a US$ 80 milhões de dólares; e o grupo Infinity Bio-Energy recebeu de bancos credores um financiamento emergencial de R$ 20 milhões e foi capitalizada recentemente.

Outra lição que nos foi propiciada pela recente crise é que uma reestruturação de dívidas deve ocorrer principalmente na mesa de negociação, pois o ajuizamento da recuperação judicial é traumático e se equipara a uma intervenção cirúrgica em uma pessoa: só deve ser feita se absolutamente indispensável.

A Lei 11.101/05 é importante por apresentar um quadro de soluções judiciais que estão à disposição das partes caso não se consiga chegar a uma composição amigável. Mas a experiência tem mostrado que o número de acordos supera largamente o número de ajuizamentos de recuperação judicial e extrajudicial.

Mais uma consequência importante da crise atual é que a insolvência passou a fazer parte do cotidiano dos mais importantes players do mercado, de uma forma inimaginável antes do advento na nova lei. Os bancos, inclusive os de investimento, as firmas de auditoria, os escritórios de advocacia e as empresas de consultoria passaram a atuar fortemente na recuperação de empresas.

Entretanto, apesar da evolução apresentada nos últimos anos, há necessidade de aperfeiçoar as normas legais e regulamentares aplicáveis à matéria. Escrevi recentemente que, na área tributária e de regulamentação financeira, há necessidade de se alterar determinadas normas que prejudicam enormemente a recuperação de empresas, tais como a tributação dos valores correspondentes às dívidas perdoadas ou as regras de provisionamento de financiamentos concedidos à recuperação. Além disso, é preciso refletir sobre as dificuldades que existem na área de financiamento à recuperação, com o objetivo de removê-las.

Inúmeros outros aperfeiçoamentos devem e podem ser introduzidos na Lei 11.101/05 para corrigir determinadas distorções que têm surgido na sua aplicação a situações concretas. Nesse contexto, é preciso permitir maior eficiência à falência, até como alternativa de recuperação em determinados casos. "Last, but not least", as repercussões internacionais da insolvência precisam também ser disciplinadas, tendo em vista os inúmeros casos em que a falta de normas apropriadas está prejudicando interesses legítimos.

Tais reformas podem ser sintetizadas sob a rubrica de que o governo deve adotar uma política de recuperação de empresas, que inclusive possa pautar a atuação dos organismos oficiais de crédito, para que tenhamos os instrumentos necessários para minimizar o impacto de crises nas empresas brasileiras e, em consequência, maximizar o recebimento dos créditos e a manutenção da produção, dos empregos e sustentar a própria economia.

Thomas Benes Felsberg é advogado em São Paulo e presidente do conselho da TMA Brasil.

Autor: Thomas Felsberg

Fonte: www.estadao.com.br (04/04/2010)

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