Juiz Daniel Carnio Costa: “O tempo do processo não pode estar desconectado do tempo dos negócios”
Os processos andam mais rápido na 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo. As tomadas de decisões foram facilitadas depois que o juiz Daniel Carnio Costa resolveu inovar e implantar o que batizou de "gestão democrática". Por meio de audiências com todas as partes, define-se os passos de uma recuperação judicial ou de uma falência, reduzindo o tradicional vai e vem de petições e despachos.
A gestão democrática desburocratizou, por exemplo, a recente venda de 14 ativos da LBR-Lácteos Brasil - fábricas e marcas - por R$ 533,4 milhões. "A demora pode ser determinante para uma empresa interessada em um ativo desistir. O tempo do processo não pode estar desconectado do tempo dos negócios", afirma o juiz.
Tradicionalmente, as manifestações dos interessados, do Ministério Público, do administrador judicial e do perito são feitas nos autos. "O que faz com que uma decisão possa demorar meses ou mais de um ano para ser tomada. Há prazos que devem ser observados", diz Costa.
No caso da LBR, diante da necessidade de venda de ativos, foi marcada uma audiência judicial para a apresentação pública das propostas. Nela, as dúvidas foram sanadas uma a uma. Posteriormente, por meio de assembleia de credores, o negócio foi aprovado.
O modelo foi adotado com base na observação de como as decisões funcionam em reuniões na iniciativa privada e na ideia da mediação de conflitos. O magistrado conta que, no caso da LBR, o administrador judicial faz a mediação para buscar consenso para os principais pontos do processo.
O administrador judicial da LBR, Ricardo Sayeg, considera a condução do processo "vanguardista". "No modelo tradicional, você protocola a petição, cada um se manifesta e você aguarda um posicionamento. As coisas não acontecem no tempo econômico", diz.
De acordo com o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação, Agroindústria, Cooperativas de Cereais e Assalariados Rurais (Contac), Siderlei de Oliveira, o processo de recuperação judicial da LBR, do qual participa, corre de forma diferente e satisfatória para os empregados. "Na venda das fábricas, depois das negociações, conseguimos manter os empregos", afirma.
Antes da LBR, o processo de gestão democrática foi aplicado na falência da Vasp, há cerca de três anos. "É um modelo de gestão que exige muito mais comprometimento das partes. A audiência é aberta a todos os interessados", afirma o juiz Daniel Carnio Costa.
O magistrado conta que uma das deliberações no processo Vasp partiu de um dos credores. Quando se discutia como alienar uma oficina com peças de aeronaves, ele sugeriu a separação por lotes. Com isso, vendeu-se separadamente o que era sucata. "Os próprios interessados acabam trazendo boas sugestões", diz.
O modelo adotado nesses processos não impede a contestação. Os participantes que não concordarem com a deliberação podem recorrer. "A ideia é ampliar a possibilidade de consenso pela mediação sem restringir a possibilidade de contestação", afirma o magistrado.
Para o advogado Júlio Mandel, do Mandel Advocacia, especialista em direito falimentar, esse modelo de gestão traz mais benefícios aos casos de falência. "É inovador. Nunca foi proibido e é recomendável que se faça", afirma. "Na nossa cultura sempre se tenta evitar a briga por meio de conciliação. No caso, é um debate prévio para a tomada de decisão pelo juiz", diz Mandel.
A advogada Juliana Bumachar, sócia do Bumachar Advogados Associados, concorda: "Esse modelo de gestão de processo faz mais diferença nos casos de falência, já que na recuperação judicial os prazos [para os procedimentos] são menores."
Na legislação em vigor prevalece a ideia de que o juiz gerencia o processo sozinho, segundo Fábio Ulhoa Coelho, autor do projeto do novo Código Comercial. "Mas não. A prática de co-gestão entre árbitros e advogados vem da arbitragem e, aos poucos, é trazida ao Poder Judiciário", afirma.
Na 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, o juiz Paulo Furtado ainda não viu a necessidade de adotar o que chama de "audiências concentradas". "Se precisasse, adotaria", diz. Mas, em alguns casos específicos, o juiz toma algumas providências para tentar acelerar o processo. "Às vezes, marco uma audiência quando percebo que o devedor não quer pagar, por exemplo", afirma. A ideia dessa audiência é explicar como funciona uma recuperação e a necessidade de negociação de um plano com os credores.
No Rio de Janeiro, não há nenhuma iniciativa parecida, de acordo com o promotor Leonardo Araújo Marques. Mas ele afirma que o Ministério Público do Estado tenta dialogar diretamente com credores e devedores para tentar acordos e facilitar a tomada de decisões pela assembleia de credores.