O juiz Daniel Carnio Costa, da 1ª Vara de Recuperação Judicial e Falências de São Paulo, foi um dos primeiros a determinar as perícias prévias. Começou há quase cinco anos e hoje adota a prática em todos os pedidos de recuperação judicial que analisa.
Ao receber a documentação da empresa, nomeia um perito - geralmente quem será o administrador judicial, caso o processamento seja deferido - e estabelece prazo de cinco dias para a conclusão da análise.
Essas perícias começaram a ser feitas após o juiz constatar, já no andamento do processo, empresas fechadas, que não existiam mais ou existiam só no papel. Para o magistrado, exemplos de casos completamente inviáveis à recuperação judicial.
Em entrevista ao Valor, o magistrado fez um balanço positivo do uso da ferramenta. Entre 2011 e 2015, foram 157 pedidos de recuperação judicial na 1ª Vara. Deste total, 58 foram indeferidos após perícia prévia.
A filtragem, segundo ele, desencadeou índices elevados de sucesso: 70% tiveram o plano aprovado e sobreviveram por mais de dois anos. Ou seja, em apenas 30% dos casos a falência foi decretada. "A recuperação não serve para proteger o credor, nem os interesses do devedor. Serve para proteger o interesse social", disse o juiz. A seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: Especialistas afirmam que a Lei de Recuperação Judicial e Falências não prevê a perícia prévia. Em que o senhor se baseia para usar o instrumento?
Daniel Carnio Costa: Não está prevista expressamente, mas também não está proibida. É uma questão de interpretação do artigo 52. A lei diz que devem estar presentes os requisitos legais. Então há duas opções: fazer um check list formal ou analisar o conteúdo dos documentos apresentados. Na minha opinião, a segunda opção é que mais prestigia a finalidade do instituto.
Valor: O senhor concorda com a crítica de que a perícia anteciparia uma avaliação que deveria ser feita somente pelos credores?
Costa: Nesse momento eu não quero saber da viabilidade de uma empresa. Eu quero saber da inviabilidade. E o conceito negativo é fácil de constatar, tanto que determinamos prazo de cinco dias. O 'check list' meramente formal dos documentos que acompanham a petição inicial não nos dão a visão completa para saber se a empresa tem capacidade de gerar os benefícios sociais. Não faz sentido deferir a recuperação judicial de uma empresa fechada, que não gera empregos e não recolhe tributos. Quando se defere o processamento de recuperação, a empresas nesta situação, está se jogando nas costas dos credores todo o peso da recuperação e sem que haja contrapartida social para esse sacrifício. A recuperação não serve para proteger o credor, nem os interesses do devedor. Serve para proteger o interesse social.
Valor: Como são feitas essas perícias?
Costa: O perito é nomeado para fazer duas coisas: a conferência da documentação, se está completa e se reflete a realidade da empresa, e se a empresa funciona. Porque, às vezes, você vai conferir e não há estoque nenhum, não há cliente nenhum. É por isso que as perícias são feitas de surpresa. O perito chega na empresa sem avisar. É para constatar a real situação. Nós já nos deparamos até com casos de fraude. Se não existisse a perícia, teriam sido aceitos e prejudicado muitas pessoas.
Valor: O senhor poderia citar um desses casos?
Costa: Descobrimos fraude em uma empresa que fazia a venda de veículos usados. Ela pegava veículos em consignação de clientes para fazer a venda. Ela vendeu os veículos, fechou as portas e não deu o dinheiro a eles. Depois, pediu a recuperação judicial e colocou esses clientes como credores. Ou seja, tomou o carro deles, vendeu, não repassou o dinheiro e, se a recuperação tivesse sido aceita, esses clientes acabariam recebendo 20% ou 30% do valor e num prazo de dez anos. Isso é fraude e a perícia constatou. Imagine como essas vítimas, que foram colocadas como credores, reagiriam a um processo desse. Isso tira o prestígio e a confiança do processo de recuperação.