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Meia década de recuperação de empresas.

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Desde 2008, o mundo enfrenta uma das maiores crises financeiras da história. Se para o Brasil foi uma "marolinha" ou não, o fato é que em 2009 foi impetrado o dobro de recuperações judiciais do que a média. Difícil imaginar o que teria acontecido com milhares de importantes empresas, se a nova lei ainda não estivesse em vigor.

Não se imaginava que a nova lei seria a tábua de salvação de muitos, justamente num momento único da economia. Fica claramente demonstrada a importância de um país ter uma legislação moderna na área comercial. De um país sem lei, sem segurança jurídica, foge o bom capital, restando os especuladores. As leis e sua correta aplicação tornam-se fator importante no desenvolvimento econômico de uma nação. Empresas devedoras, mas viáveis, conseguiram parcelar suas dívidas em até uma década, ou obtiveram relevantes descontos em seu passivo, e com a benção dos credores parceiros, pois agora são os credores que decidem o destino de seu devedor. Tudo através de saudável negociação, em assembleia de credores.

Teriam aumentado as quebras, se ainda estivesse vigente a antiga lei de 1945. Além disso, mesmo com as inevitáveis quebras (algumas são inevitáveis, até como instrumento de depuração do mercado), a nova lei também contribuiu para a preservação de fontes produtivas, pois empresas com falência decretada tiverem a sua "parte boa" salva e repassada para outro empresário explorar, nos termos da Lei de 2005: "A falência ... visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos....".

A criação de algumas varas especializadas também contribuiu para os efeitos positivos da nova lei, assim como a possibilidade da massa ou da empresa em recuperação vender ativos sem sucessão fiscal ou trabalhista, permitindo que a venda alcance valor de mercado, e ainda mantém o ativo sob nova gestão, gerando riquezas e empregos.

Mas é uma pena que as leis demorem tanto para refletir os anseios da sociedade. E, uma vez que aquele que se acostuma com as coisas boas, acaba querendo mais, já abuso e cobro uma atualização da lei de recuperações.

Na área financeira/comercial, cinco anos são uma vida. Estes primeiros anos já foram suficientes para se perceber que alguns artigos precisam ser modernizados, para que as recuperações judiciais alcancem o espírito buscado pelo legislador, descrito na própria lei, "viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica."

A jurisprudência pode corrigir rotas e decidir controvérsias, mas somente uma reforma traria segurança jurídica. Por exemplo, o prazo de suspensão de ações contra o devedor é muito curto, especialmente para a grande empresa ou em locais onde não existam as varas especializadas. A concessão de uma razoável prorrogação neste prazo deveria ser permitida ao juiz competente, desde que ocorram motivos relevantes.

Outra mudança deveria versar sobre a inclusão de certos créditos bancários no procedimento, pois a exclusão das chamadas cessões fiduciárias de títulos, inclusive por operações futuras, vem criando uma distorção, tirando o fôlego das empresas e em detrimento da coletividade. Poucos credores são beneficiados, acabando com a equidade e com o necessário esforço compartilhado de ceder parte de seus direitos em prol de todos e da sobrevivência da empresa. Qual bem é mais essencial a uma empresa em recuperação do que os recebíveis de seus clientes, que constituem o seu capital de giro?

Outra discussão importante se refere ao abuso do poder por parte de credores com garantia real. Com as nova na lei, em caso de quebra, os credores com garantia real passaram a ter mais privilégios na ordem de classificação para receber a liquidação. Deste modo, em muitos casos, acabam por preferir uma quebra, acabando com a unidade produtiva, e tirando dos demais credores quaisquer chances de recebimento.

Deve-se impedir o abuso da minoria, impedindo que credores com garantias reais, especialmente concedidas por terceiros, votem pela quebra da empresa, sem preocupação social ou com os demais credores. Logicamente, os que têm diferentes garantias devem merecer diferente tratamento, mas não podem impedir a recuperação da empresa em sentido contrário ao espírito da lei e sem a preocupação social que todo cidadão deve ter, especialmente as grandes empresas/bancos.

Muitas vezes o credor financeiro que detém uma garantia real vota do mesmo jeito equivocado usado na concessão do empréstimo: fica mais preocupado com a garantia, do que com a real capacidade de pagamento de seu devedor. Não se pede a perda da garantia, mas uma impossibilidade de executá-la enquanto o devedor principal esteja pagando a dívida nos termos do plano aprovado pelos credores.

Em linhas gerais, a recuperação judicial vem obtendo sucesso. Vai revertendo a cultura da concordata, muito desgastada. Os credores vêm percebendo que somente atuando em conjunto e em parceria com o devedor, sem abusos, é que possibilitará ao seu cliente em dificuldade momentânea gerar novos faturamentos, permitindo gerar novos lucros e ainda receber a antiga dívida.

Dentro do espírito da nova lei, vai se criando uma nova cultura, o que fará com que em breve seja viável ao devedor obter crédito, aplicando-se a proteção ao novo crédito concedido à empresa recuperanda (que torna-se extraconcursal em caso de quebra). Pois sem crédito nenhuma empresa em recuperação é viável. Um pequeno "mercado de crédito" já foi criado, mas ainda resta à algumas grandes empresas credoras e às instituições financeiras, passarem a agir como parceiras das empresas em reestruturação, abrindo novas linhas de crédito, como ocorre nos EUA (onde até existem entidades especializadas em fomentar empresas em reestruturação), dando a elas o fôlego inicial que precisam para se reerguer.

O próprio Estado, ante a esta demora, poderia dar o exemplo, fazendo com que a iniciativa privada perceba que este nicho pode ser lucrativo, o que seria bom para a nossa sociedade.

Autor: Julio Kahan Mandel é advogado, sócio de Mandel Advocacia, membro do Instituto Brasileiro de Recuperação de Empresas (IBR) e do TMA, Turnaround Management Association

Fonte: Valor Econômico (09/06/2010)

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