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Montadoras buscam fusões para sobreviver

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Desde 2015, quando Sergio Marchionne proclamou a necessidade de mais fusões na indústria automotiva global, ela se preparou para uma série de "takeovers" que não ocorreram.

A expectativa do falecido presidente-executivo da Fiat Chrysler de mais negócios foi cumprida em apenas um caso: a aquisição da Opel, da General Motors (GM) pela PSA, controladora da Peugeot, uma transação iniciada pela retirada da GM da Europa visando a redução de suas perdas.

Agora, há rumores de uma há muito antecipada onda de consolidação, com várias montadoras de olho em uniões que ajudem a diluir os grandes custos de investimentos em uma série de novas tecnologias, que vão dos carros elétricos a sistemas de direção autônoma.

Na Itália, John Elkann, presidente do conselho de administração da Fiat Chrysler Automobiles (FCA), está renovando a caça de parceiros pela companhia. Na França, a PSA mais uma vez está tentando crescer, preferivelmente visando uma diversificação fora da Europa, enquanto a Renault planeja uma aquisição assim que firmar suas relações com a Nissan.

Mike Manley, que assumiu como presidente-executivo da FCA no ano passado, após a morte de Marchionne, continua "acreditando piamente" na tese de seu ex-chefe, de que as montadores precisam se unir.

"A obtenção de escala é um desafio que todos estão enfrentando", disse ele ao "Financial Times" no Salão do Automóvel de Genebra, no começo de março. "É por isso que estamos vendo tanto interesse em parcerias e fusões."

Mesmo assim, especialmente no setor automobilístico, executivos e banqueiros de investimentos têm o hábito de elaborar planos que acabam não se concretizando. "A ideia de a Renault e a Nissan se fundirem e depois adicionarem a FCA parece muito ambiciosa", escreveu o analista automobilístico Max Warburton da Bernstein. "Ela ignora as sensibilidades nacionais, as motivações humanas e o fraco histórico das fusões e aquisições e de escala do setor automobilístico."

A história está do lado de Warburton: o setor está cheio de uniões que não deram certo, muito embora a lógica por trás da hoje famosa apresentação de Marchionne permaneça convincente: as montadoras precisam de escala para sobreviver.

O setor exige muito capital, é extremamente competitivo e profundamente cíclico - ter um tamanho maior fornece mais proteção contra volatilidades regionais nas vendas e ajuda a diluir os investimentos por um número maior de veículos.

Mesmo assim, após oito anos de crescimento, as vendas mundiais de automóveis caíram no ano passado e o setor está vendo fraqueza em alguns de seus maiores e mais lucrativos mercados: EUA, China e Europa.

Ao mesmo tempo, os custos estão em alta, não só os das matérias-primas, mas também por causa da necessidade de investir grandes somas no desenvolvimento de veículos elétricos para atender as novas regras de emissões de poluentes.

Um ano atrás, a indústria como um todo se comprometeu a investir US$ 90 bilhões no desenvolvimento de baterias. Hoje, esse número já passa de US$ 300 bilhões. A Volkswagen espera gastar, sozinha, US$ 50 bilhões na transição - além dos custos de renovação de sua atual linha de automóveis movidos a gasolina e diesel. A Daimler, que tem um quarto do tamanho da Volkswagen, prometeu investir € 20 bilhões na eletrificação.

"O período que vai de agora até 2030 será um caos", disse este mês em Genebra o presidente-executivo da PSA, Carlos Tavares. "Nem todas as companhias conseguirão dominar as novas tecnologias... Isso cria oportunidades para negócios."

Um líder forte nem sempre é suficiente para erradicar traços culturais enraizados nas empresas

O principal argumento da apresentação "Capital Junkie" (algo como "Viciado em Capital") de Marchionne, em 2015, foi que as montadoras deveriam aplicar recursos em novas tecnologias, em vez de duplicar seus gastos. Ele observou que o setor gastava muito em pesquisa e desenvolvimento mas recebia retornos limitados na forma de lucros ou preços das ações.

Dentro desse espírito, a Volks uniu-se à Ford numa aliança global para projetos conjuntos, enquanto a Toyota está ampliando sua parceria com a Suzuki. Isso além da grande aliança Renault-Nissan- Mitsubishi.

No cerne de todo empreendimento automobilístico existe uma cultura, frequentemente com décadas de existência e impregnada de heranças familiares, que se mostra muito difícil de mudar.

Dois anos atrás, a Ford investiu milhões de dólares no desenvolvimento de seu super-carro GT, de 420 mil libras, numa tentativa e reviver suas vitórias sobre a Ferrari em Le Mans 50 anos antes. Secretamente, alguns executivos achavam que o dinheiro deveria ser gasto em carros elétricos, uma área em que a companhia está atrás das concorrentes.

A mesma cultura de cima para baixo também influenciava a maneira como a companhia conduzia uma série de marcas que possuía, como Jaguar Land Rover, Volvo e Aston Martin. Todas elas foram vendidas entre 2007 e 2010, conforme a Ford tentava evitar a falência; desde então, elas prosperaram sob novos controladores.

A Aston Martin, vendida por US$ 925 milhões em 2007, hoje vale 2,3 bilhões de libras, muito embora suas ações tenham caído 40% desde a listagem de suas ações no mercado no ano passado, enquanto o valor de mercado da Volvo passou de US$ 1,8 bilhão em 2010, ano de sua venda para a Geely, para estimados US$ 8 bilhões no ano passado.

A fusão Daimler e a Chrysler, exemplo típico de união automobilística que fracassou, não deram certo em parte por causa do choque cultural.

Mesmo os arranjos que são sempre apresentados como "negócios" bem-sucedidos, como a aliança de 20 anos entre a Renault e a Nissan, são sempre superficiais, com uma integração de fato limitada às principais funções de engenharia.

Na verdade, os engenheiros da Nissan, com seu foco na qualidade e durabilidade, sempre tiveram problemas para trabalhar com as equipes da Renault, focadas no design, segundo afirmam ex-executivos da companhia.

As raras integrações bem-sucedidas quase sempre são conduzidas por líderes camaleônicos que conseguem vencer as barreiras culturais entre as companhias. O "takeover" pela Fiat sob Marchionne, da falida Chrysler, é um exemplo clássico, com a experiência de quase morte dos dois grupos ajudando na cooperação mútua.

O mesmo transparece no "takeover" da Opel pela PSA. Carlos Tavares, o quadrilingue presidente-executivo da PSA, também prometeu manter as identidades das marcas Opel (alemã) e da Vauxhall (britânica), fazendo-as ao mesmo tempo trabalhar mais de perto com a Peugeot e a Citroën, os negócios já existentes da PSA.

Mas um líder forte nem sempre é suficiente para erradicar traços culturais enraizados nas empresas. Os choques culturais entre a Renault e a Nissan sempre foram contidos pelo estilo de liderança de Carlos Ghosn, mas eles começaram a ressurgir quando ele deixou de ser o presidente-executivo da Nissan em 2017 e chegaram à superfície desde a prisão de Ghosn em novembro. Jean-Dominique Senard, o novo presidente do conselho de administração da Renault, está agora tentando interligá-las novamente.

Com algumas limitadas exceções, as montadoras possuem ligações profundas com sua identidade nacional.

O controle familiar ainda domina o setor, com participações herdadas em empresas como FCA, Ford, Volks, PSA e Toyota.

Alguns grupos, como Renault e PSA, possuem acionistas estatais; outros, como as montadoras alemãs e japonesas, têm laços próximos com seus respectivos establishments políticos. O conselho supervisor da Volks inclui políticos locais. Isso torna qualquer acordo de fusão que envolva o fechamento de fábricas ou a perda de empregos, algo politicamente tenso.

Durante a compra da Opel pela PSA, os governos da França, Alemanha e Reino Unido pediram garantias de que empregos em seus países seriam mantidos.

Quando a FCA transferiu a produção da Fiat para fora da Itália, ela alocou os modelos Jeep para manter as fábricas abertas, enquanto a General Motors foi duramente criticada pelo presidente Donald Trump por fechar várias de suas fábricas nos EUA no ano passado.

Outras preocupações políticas tornam os acordos internacionais mais difíceis. A Geely da China construiu um portfólio internacional de marcas que vai da Volvo da Suécia à Lotus e a fabricante de taxis LEVC no Reino Unido, a Proton da Malásia e uma participação na Daimler, além de uma fatia de 50% na marca Smart da Daimler. Mas uma oferta pela FCA, por exemplo, quase que certamente seria descartada pelas autoridades reguladoras americanas por preocupações com a segurança nacional.

Com as montadores precisando diluir os custos dos carros elétricos para cumprir as regras de emissões de poluentes impostas politicamente, aumentam as pressões sobre os políticos para que eles permitam a realização de negócios para melhorar as perspectivas para as suas campeãs nacionais em termos de sobrevivência no longo prazo.

"As regras dos governos para as emissões estão tendo um papel muito importante no futuro do setor", disse Philippe Houchois, analista da Jefferies. "Agora os governos precisam deixar os executivos da indústria automobilística fazer as mudanças que eles acham que precisam ser feitas."

O controle familiar ainda domina o setor, com participações herdadas em empresas como FCA, Ford, Volks. PSA, Toyota e BMW agindo como impedimento a tudo que não seja a mais amigável das aproximações de fusão. Além de influenciar um potencial comprador ou vendedor maior, isso significa que as empresas familiares podem, em tese, adotar uma postura mais de longo prazo.

A confiança entre a família Porsche-Piech, que controla a Volks, e a família Ford foi a chave para assegurar a parceria entre as duas empresas anunciada neste ano, segundo afirmam fontes a par da operação.

A complementaridade geográfica, com a força da Volks na China e a posição da Ford na América do Norte, também levou os analistas a conjecturar se as duas poderiam em algum momento partir para uma fusão plena.

Elkann, o cabeça da família Agnelli, que é a maior acionista da FCA, assumiu uma função mais fundamental desde a morte de Marchionne no ano passado.

Conforme as famílias do setor automobilístico foram passando, um grupo diferente de controladores vai moldar a maneira como vê suas heranças tradicionais, afirma Arndt Ellinghorst, principal analista da Evercore ISI para o setor. "Eles não estarão interessados nas marcas ou no legado. Eles olharão para isso como investimentos - e vão preferir investimentos líquidos", acredita ele.

Haverá negócios esporádicos, com especulações sobre a venda da Jaguar Land Rover, ou mais aquisições da Geely e, possivelmente, um dia, a concretização do sonho de uma megafusão entre a Volks e a FCA. Mas a grande consolidação imaginada por Marchionne continua difícil de ser levada a cabo. (Tradução de Mario Zamarian).

 

02/04/2019

Autor(a)
Por Peter Campbell

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