Os profissionais do mercado de insolvência, estarrecidos, tomaram conhecimento do conteúdo do substitutivo de autoria da nobre Deputada Dani Cunha (UNIÃO) para o PL 03/2024 que se propõe a alterar a Lei 11.101/2005 a partir de uma proposta de iniciativa do Ministério da Economia.
De se destacar que a Lei 11.101/2005, na sua execução, apresenta problemas que demandam de fato endereçamento, como os altos custos dos processos de recuperação judicial e a ineficiência do processo de liquidação de bens e pagamento dos credores na falência. Daí porque o apoio quase irrestrito à iniciativa do Ministério da Economia de endereçar esses problemas via proposta de lei.
O que parece inconcebível é (i) o tratamento do projeto em regime de urgência a impor sua votação até o dia 19 de março sob pena de trancamento da pauta (como se os problemas que endereça fossem, de fato, uma emergência) e (ii) a consequente ausência de diálogo com os profissionais da área sobre as soluções propostas – e a palavra “diálogo” foi cuidadosamente escolhida porque não inclui ouvir brevemente representantes de setores afetados, desconsiderando seus argumentos e informando-os não haver mais tempo para alterações.
Quanto ao primeiro ponto – o regime de urgência – o próprio secretário responsável pelo projeto no ME admitiu, em reunião com profissionais de vários setores ligados à área, que o regime de urgência era inapropriado para o trâmite do PL 03/2024 e se comprometeu a envidar esforços para alterar a situação – o que não ocorreu. Esse é, portanto, um ponto que parece ser unânime: no regime de urgência não há tempo hábil para ajustar o PL 03/2024 para que cumpra os objetivos a que se propõe.
Mais grave, se o projeto original do ME continha falhas e inconsistências – como reiteradamente destacado em eventos e artigos públicos - a versão de substitutivo que irá a votação o piora significativamente, e incorpora regras que podem simplesmente inviabilizar a restruturação de empresas viáveis no Brasil, além de não melhorar a eficiência da falência. São exemplos de pontos que demonstram o completo desconhecimento da lógica do sistema de reorganização e liquidação de empresas – não só no Brasil, mas no mundo: determinação de quórum ultrapassado para deliberação sobre liquidação; ausência de fixação dos limites de atuação do gestor fiduciário e de definição do plano de liquidação gerando conflito com os poderes conferidos ao juiz pelo restante da Lei, e, por consequência, insegurança e incentivo à judicialização – exatamente o contrário do desejado -; um regime irreal de mandato e pagamento de administradores judiciais que reflete o completo desconhecimento de como são remunerados profissionais de insolvência não só no Brasil, mas no mundo; a completa inviabilização de recuperações judiciais para empresas de pequeno e médio porte; o desconhecimento dos conflitos existentes entre classes de credores e a importação irrefletida de mecanismos vigentes em regimes de common law, especialmente o norte-americano, em que prevalecem o absolute priority rule e o best interest, tendo, portanto ambiente institucional completamente diverso; entre tantos outros.
Em resumo, os profissionais da área de insolvência veem a votação precipitada do substitutivo do PL 03/2024, sem o debate que a democracia impõe, como uma verdadeira ameaça à viabilidade do sistema de tratamento das empresas em crise no Brasil. E não obstante apoiem os objetivos de racionalização de procedimentos e melhoria da solução na falência declarados pelo ME, têm certeza de que o sistema de tratamento de empresas em crise, com as novas regras, perderá parte do que tem de eficiente sem qualquer contrapartida proporcional.
Por isso pleiteiam enfaticamente a retirada do regime de urgência para que haja tempo e oportunidade de debater e compreender o sistema que se pretende alterar e as propostas de alteração antes de fazê-lo de modo assoberbado, equivocado e antidemocrático.