Em discussão no Congresso, o projeto da nova Lei de Falências, originalmente de 2005, pode trazer mais segurança para credores e atrair investidores para o mercado de ativos problemáticos. Um dos principais pontos do projeto é a permissão para que os credores possam apresentar um plano de recuperação judicial.
Hoje, no Brasil, somente a devedora pode apresentar um plano de reestruturação da dívida e aprovar eventuais alterações. "Os credores ficam na mão do controlador. Em outras jurisdições é um processo mais financeiro que litigioso", diz Francisco José Pinheiro Guimarães, sócio do escritório Pinheiro Guimarães Advogados.
O que se vê, em alguns processos de recuperação judicial, é a tentativa dos controladores de salvar empresas que não teriam mais solução. "Em alguns casos, a falência continuada poderia ser melhor que a recuperação judicial", afirma Renata Veloso, do Pinheiro Guimarães. Para isso, contudo, é importante que a mudança da lei seja aplicada pelo Judiciário. "Hoje os juízes julgam os processos de recuperação judicial em favor dos devedores", afirma um advogado que pediu para não ser identificado.
Outro ponto importante do projeto da Lei de Falência é o que trata do financiamento para as empresas em recuperação judicial, conhecido como DIP Financing ("debt-in-possesion"). Nesse tipo de operação, muito comum no exterior, o credor ganha alguma preferência ou vantagem sobre os demais ao injetar recursos em uma companhia num momento de dificuldade e baixa liquidez. "Parece-nos positiva a tentativa do projeto de Lei de Recuperação e Falências de disciplinar melhor a concessão de financiamento DIP", diz Alex Hatanaka, sócio do escritório Mattos Filho.
Renata Veloso, do Pinheiro Guimarães, lembra que ainda há muita insegurança jurídica sobre o direito às garantias e a preferência ou vantagem no recebimento dos investidores que injetam recursos nas companhias que estão em dificuldade financeira. Outra questão é que, quando as empresas chegam em uma situação de recuperação judicial, em muitos casos, elas já não têm mais garantias para oferecer em troca de novos recursos, uma vez que os ativos já estão comprometidos como lastro de créditos bancários. Os créditos que contam com alienação fiduciária, por exemplo, ficam de fora do processo de recuperação judicial.
Há ainda o risco de o investidor que entra no meio do processo, no caso de conversão da dívida em ações, ser responsabilizado por passivos da companhia que estavam fora da recuperação judicial. "O crédito do DIP tem de ser pago antes, mesmo que haja apelo social ou econômico", afirma Fábio Rosas, sócio das áreas de contencioso e restruturação e recuperação de empresas do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados.
Outro ponto de atenção é que o fato de um plano de recuperação judicial ser aprovado não significa que será cumprido. Na maioria dos casos o processo tem extrapolado o prazo estabelecido pela lei, que é de dois anos, e o acordo de renegociação da dívida tem que ser repactuado. "O que acontece, na maioria das vezes, é que as empresas não cumprem o plano de recuperação judicial", afirma Renata, do Pinheiro Guimarães.
Samuel Aguirre, diretor da área de finanças corporativas e reestruturação da FTI Consulting, lembra que são poucas as empresas que conseguem sair do processo de recuperação judicial com sucesso. "Nos Estados Unidos, os processos de falência duram de um a dois anos; no Brasil, chegam a durar mais de 15 anos", afirma Aguirre.
Até mesmo no caso de empresas que não conseguem cumprir o plano há dificuldade para se decretar a falência. Foi o que aconteceu com a Infinity Bio-Energy. A empresa teve a falência de quatro usinas decretada pela Justiça, em 2017, por não cumprir o plano de recuperação judicial, mas a decisão foi suspensa por liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
De acordo com estudo da KPMG, que analisou 62 processos de recuperação judicial em que a consultoria atuou de 2010 a 2018, 8% dos casos tiveram a falência decretada, 14% foram encerrados e 34% estão em fase de cumprimento do plano.
22/06/2018