João Manoel Pinho de Mello, assessor especial de Reformas Microeconômicas do Ministério da Fazenda, afirma que ajustes vão dar mais segurança aos credores
Entre anúncios de privatização e discussões sobre as grandes reformas, o governo Michel Temer também tenta avançar nas microrreformas. Com impactos mais específicos, essas medidas têm o objetivo de estimular a defasada produtividade do país. São projetos como o eSocial, que deve reunir as informações de todas as empresas em um único sistema, e o Cadastro Positivo, que vai ajudar o cidadão a ser reconhecido como bom pagador. Uma das medidas desta agenda mais aguardadas no meio empresarial é a reforma da lei das falências. O economista João Manoel Pinho de Mello, assessor especial de Reformas Microeconômicas do Ministério da Fazenda, afirma que os ajustes vão dar mais segurança aos credores e que o texto deve ser enviado ao Congresso em breve. Mello participou do EXAME Fórum realizado na última segunda-feira e concedeu a entrevista após o evento.
O governo anunciou uma série de microrreformas no fim do ano passado. Em que pautas já foi possível avançar e o que ainda precisa ser entregue?
A agenda de microrreformas do governo tem dois pilares importantes: spread e conformidades tributárias. O pilar da conformidade tributária não tem tramitação legislativa. São medidas administrativas, que dependem de vontade e de comando, e são de poder do ministro Henrique Meirelles. Elas estão sendo entregues, mas como os avanços são contínuos, não há um grande alarde. Por exemplo, a nota fiscal eletrônica de serviços, que replica o que é feito na nota fiscal mercantil, já tem pilotos em cinco cidades. O eSocial vai ter um custo num primeiro momento, mas é uma plataforma na qual as empresas vão relatar tudo a respeito de tributos, obrigações trabalhistas e previdenciárias. A expectativa é que o tempo gasto nesse processo diminua em um terço e, a partir de julho do ano que vem, as mudanças serão obrigatórias para todas as empresas. O processo de diminuição no número de dias para a criação de uma empresa também é um esforço conjunto dos governos federal, estadual e municipal e está sendo colocado em curso. São Paulo é um grande exemplo. No pilar do spread, uma das medidas mais importantes é a duplicata digital, que inibe fraudes no sistema de crédito. Outra medida fundamental é a TLP [taxa de longo prazo], que começa a normalizar o mercado de crédito brasileiro e foi aprovada pelo Senado. Outras medidas importantes são a nova letra de financiamento imobiliário, o cadastro positivo e a nova lei recuperação judicial. Tenho segurança de que as duas últimas serão aprovadas antes de começar efetivamente o calendário eleitoral.
Falando sobre a lei de falências, há uma expectativa grande para esta reforma. A lei foi criada em 2005, mas hoje há casos emblemáticos como o da companhia de telefonia Oi, que mais de um ano após entrar em recuperação judicial de 65 bilhões de reais, não conseguiu definir seu plano. O que precisa mudar na lei para que um caso como o da Oi não se repita?
Existem duas coisas diferentes: uma é a lei e a outra é a aplicação da lei. O Banco Mundial olhou para a lei de 2005 aqui no Brasil e deu notas altíssimas. Tudo o que precisa acontecer está previsto. Ela estabelece prazos e procedimentos razoavelmente claros para que os acionistas apresentem a recuperação judicial. O problema foi a aplicação da lei por parte do judiciário. Passados mais de 10 anos, a percepção que se tem é a seguinte: precisamos tornar algumas coisas mais claras, para aumentar a celeridade, dar mais segurança para os credores e permitir mais renegociação.
Como dar mais segurança aos credores sem deixar que a empresa que está em recuperação fique na mão deles?
Quando se está construindo uma lei dessas não é muito óbvio como balancear os direitos das empresas e os direitos dos credores. Mas aprendemos, nos últimos 10 anos, que a lei precisa dar um pouco mais de proteção para os credores. O que precisa acontecer é acelerar o processo de recuperação, porque isso diminui a perda para o credor. Hoje, os juros já são mais caros na hora de conceder o crédito porque o credor antecipa que, caso haja recuperação judicial, o processo vai se arrastar muito, então seus créditos vão valer menos e haverá uma chance menor de recuperar aquilo. Proteger o credor é garantir que haja celeridade no processo.
É possível adiantar o que será alterado na lei para garantir maior celeridade na recuperação?
Boa parte das mudanças da legislação são para esclarecer a lei. Tem uma parte que estamos introduzindo na lei de falências que visa dar mais segurança para a venda de pedaços da empresa durante o processo da recuperação judicial. Um caso que ficou famoso foi o da participação da OAS no aeroporto de Guarulhos. A OAS não tinha dinheiro para fazer os aportes e tinha muita gente interessada em comprar sua participação, mas havia muita insegurança a respeito de quem ficaria com os problemas trabalhistas e outros problemas legais que a OAS tinha em sua controlada. O que eu posso adiantar é que a proposta trará alguns instrumentos para dar mais segurança para a venda de partes da empresa para ajudar que haja recuperação daquilo que deve ser recuperado.
É possível aprovar essas mudanças mesmo com as eleições de 2018 se aproximando? O governo não corre um risco de as empresas reclamarem das novas medidas e a proposta não passar no Congresso?
Não é um tema delicado do ponto de vista eleitoral. É um tema mais técnico. As empresas sabem que o processo como é hoje acaba protegendo os negócios que não param de pé. Os empresários têm ciência de que o processo acaba sendo prejudicial para eles também, porque aumenta os juros que eles enfrentam nos seus empréstimos, onde os bancos embutem os riscos das empresas que podem quebrar.
06/09/2017