Gomes, da Alvarez & Marsal: delação premiada da Odebrecht pode abalar outros grupos que não estavam no radar
O ano mal começou, mas profissionais da área de reestruturação de empresas avaliam que o novo ritmo de corte da taxa Selic e a perspectiva de que encerre o ano em um dígito trarão alívio para um volume de dívida corporativa que chegou ao teto no ano passado - e finalmente pode começar a cair.
Para os bancos, o tema é espinhoso. Em entrevista ao Valor, Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco, disse que vê melhora no ambiente de negócios, com melhoria geral da inadimplência. Ele não descartou que "alguma renegociação nova pode acontecer sempre que a empresa mostre que tem viabilidade". E disse ser "importante que, no reescalonamento da dívida, exista perspectiva de amortização".
Para especialistas, o quadro de desânimo aos poucos começa a ser superado, após um fim de ano complicado para o processo de desalavancagem das empresas ao unir, dentre outros fatores, a decepção com a lentidão na queda do juro nas duas últimas reuniões do Copom de 2016 e o comportamento mais volátil do dólar no pós-eleição de Donald Trump.
"A queda dos juros altera o cenário para 2017", diz Marcelo Gomes, diretor-executivo da consultoria Alvarez & Marsal. Segundo ele, havia uma perspectiva de que o esperado alívio no caixa das empresas poderia não vir, levando a uma segunda rodada de negociações entre companhias e bancos. Essa percepção perde um pouco de força, diz, mas depende da confirmação de um juro realmente mais baixo até o fim do ano.
Levantamento feito pela A&M, especializada em reestruturação de dívida, indica que o volume renegociado chegou a R$ 310 bilhões em 2016, o que é considerado um pico. Os pedidos de recuperação judicial alcançaram R$ 190 bilhões, inflados por casos grandes, como Oi e Sete Brasil, que juntas têm cerca de R$ 100 bilhões em dívida. "O risco de que isso se repita também é menor", diz Gomes.
"A retomada da economia talvez demore um pouco mais para ocorrer, mas o efeito de um corte mais pronunciado dos juros é imediato e vai afetar todo mundo, de A a Z", diz Flávia Krauspenhar, sócia da área de consultoria e finanças estruturadas da Capitânia, uma das maiores gestoras de crédito privado, com carteira de R$ 2 bilhões.
"São poucas as empresas que hoje têm dívida prefixada", diz ela. Ou seja, a maior parte das dívidas é pós-fixada (atrelada ao CDI) e, portanto, tende a se reduzir com a queda dos juros.
Segundo Flávia, algumas empresas estavam pagando juros de quase 2% ao mês, algo que considera "elevadíssimo". "Que empresa consegue ter retorno suficiente para pagar isso? São poucas." Para a especialista, o barateamento da dívida está sendo esperado pelo menos há seis meses e os sinais da autoridade monetária injetam ânimo ao segmento corporativo.
Os riscos a esse quadro de melhora, no entanto, existem. Eles vêm não só do temor de que as previsões de juros bem mais baixos não se confirmem, mas do cenário político e dos desdobramentos da Operação Lava-Jato, incertos especialmente após a morte, na quinta-feira, do ministro Teori Zavascki, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF).
Gomes, da Alvarez & Marsal, não exclui a possibilidade de a delação premiada da Odebrecht abalar outros grupos que não estavam no radar - ou até mesmo a própria Odebrecht.
Thomaz Sant'Ana, advogado da área de reestruturação e recuperação de empresas do escritório Barbosa, Müssnich, Aragão, avalia que 2017 deve apresentar alguma melhora em relação ao ano passado, embora a turbulência política também o preocupe.
Segundo Sant'Ana, a maior parte dos clientes que procuraram o escritório no ano passado eram da indústria e isso deve continuar ocorrendo. Flávia, da Capitânia, também vê uma indústria com dificuldades de se reerguer.
Já Gomes diz que o comércio varejista traz maior preocupação, porque conseguiu renegociar dívidas, mas não está gerando caixa, pois as pessoas continuam sem comprar. Além de todo o segmento de construção - pesada e civil - vinculado à Lava-jato. "Podemos ter um ou outro caso de recuperação judicial grande nestes segmentos."
Seja qual for o cenário, as novas áreas de reestruturação dos bancos - redesenhadas de modo independente do departamento comercial ou reforçadas ao longo do ano passado - continuarão a ter muito trabalho. O BB, por exemplo, era credor em 600 recuperações judiciais no fim de 2016 e tinha, nos últimos dois meses do ano, cerca de 45 assembleias de credores para organizar, segundo fonte a par do assunto. O volume de processos teria sobrecarregado a área e elevado custos. Procurado, o BB não se pronunciou.
O Itaú criou uma diretoria exclusivamente voltada à reestruturação de dívida corporativa no primeiro trimestre de 2016. Caixa, BB e Santander teriam estruturas semelhantes, e o Bradesco estaria ajustando essa área. Procurados, os bancos não comentaram.
Eduardo Armonia, diretor responsável pela nova área de reestruturação e recuperação de crédito do atacado do Itaú, diz que, em processo de amadurecimento, a área está fechando mais acordos e recebendo mais dinheiro, com maior controle da situação. Segundo ele, o banco se esforça para não empurrar "sujeira para debaixo do tapete" e ter que lidar com o problema daqui a um ano. "É tornar o cliente viável para o futuro."