Apesar de a reação da economia ainda não ter engrenado, o número de empresas que recorreram aos tribunais para tentar reequilibrar as contas caiu no Rio Grande do Sul no início de 2018. De janeiro a maio, o Estado registrou 49 pedidos de recuperação judicial, baixa de 21% em relação aos 62 de igual período de 2017, apontam dados da Serasa Experian. O resultado gaúcho vai na contramão do nacional. Nos últimos cinco meses, o país teve 654 recuperações judiciais requeridas, alta de 13,9% ante os 574 do período de janeiro a maio do ano passado.
Para o economista-chefe da Serasa Experian, Luiz Rabi, a queda no Rio Grande do Sul é reflexo de um cenário menos desfavorável do que em outros locais do Brasil. O especialista lembra que o setor que vem puxando a lenta reação do Produto Interno Bruto (PIB) nacional é a agropecuária, com maior peso na economia gaúcha do que na maioria dos outros Estados. Os impactos positivos colhidos no campo respingam em parte do ambiente de negócios e podem ajudar a amenizar dificuldades financeiras, acrescenta Rabi.
Mudanças na legislação podem agilizar processos de recuperação judicial
— A baixa nos pedidos de recuperação judicial tem ligação com isso. Em estudos recentes, também é possível ver que o Sul teve dados como menor inadimplência e maior concessão de crédito do que em outras regiões do país — reforça.
A recuperação judicial é uma medida que procura evitar falências. Ao fazer a solicitação, companhias buscam proteção legal para seguir operações e tentar negociar dívidas com credores. Para o advogado Tiago Britto Sponton, responsável pela área de direito societário e reestruturação de empresas da Cabanellos Advocacia, a baixa nos pedidos gaúchos indica que a economia local deixou os piores resquícios da crise no retrovisor.
— Há uma fase de acomodação nas recuperações. Os processos diminuíram. O pior da crise já passou, mas o cenário está longe de mostrar um céu de brigadeiro — pondera Sponton.
A advogada Gabriele Chimelo, responsável pela área de reestruturação de empresas do escritório Scalzilli Althaus, também percebe que o número de solicitações passa por diminuição no Estado. Segundo a especialista, nos casos em que as dívidas não envolvem cifras tão volumosas, há maior possibilidade de diálogo com os credores para tentar estender o prazo dos pagamentos, sem a necessidade de fechar planos de recuperação judicial.
— O perfil do empresário gaúcho é mais conservador. Várias tentativas de recuperação judicial se transformaram em falências no Estado. Isso aumenta o temor — observa a advogada. — Muitas das grandes empresas gaúchas que estavam em dificuldades já entraram em recuperação, o que também ajuda a explicar a recente queda no número. Aos bancos, a tentativa de pequenos negócios de renegociar dívidas não interessa tanto assim, porque, se houver a falência, o prejuízo não será tão grande — emenda.
No cenário nacional, a alta na busca da medida de proteção reflete a frustração com o nível de retomada do PIB abaixo do esperado, frisa Rabi. O economista menciona que as companhias ainda sentem o peso de elevadas taxas de juro, mesmo com a Selic a 6,5% ao ano, o menor patamar já registrado pelo Banco Central (BC).
— A economia brasileira vai crescer, mas menos do que se imaginava. O corte no juro básico não chegou aos consumidores nos bancos. A combinação entre altas taxas e economia fraca costuma ser fatal para algumas empresas — declara.
Para o restante do ano, Rabi projeta que incertezas eleitorais devem continuar no radar de empresários no país. Com isso, a retomada da atividade tende a seguir em velocidade lenta, avalia:
— Pode haver pequena melhora no cenário. Mas ainda não dá para se animar.
Acordo com credores para sobreviver à turbulência
Mergulhada em crise financeira, a gaúcha Navegação Guarita resolveu recorrer a pedido de recuperação judicial, em 2013, para tentar superar as dificuldades de caixa. Cinco anos depois, a empresa de Porto Alegre olha para trás e comemora o fato de seguir com suas operações de transporte de mercadorias via hidrovia.
— Entramos com o pedido em 2013 e tínhamos seis meses para levar o plano de recuperação para análise dos credores em assembleia geral. Mas, durante esse período, conseguimos costurar um acordo. Nosso problema era só com bancos comerciais. Por isso, foi possível antecipar a solução e não levar o plano até o fim, já que todo o processo poderia ser muito desgastante — afirma o diretor-executivo da Navegação Guarita, Werner Barreiro.
O acordo envolveu pelo menos 14 credores, e a companhia ainda sente os seus impactos. De lá para cá, a empresa segue pagando as dívidas e viu a concessão de crédito diminuir junto a bancos comerciais. Mesmo assim, suas atividades estão em nível considerado normal, acrescenta Barreiro.
— O que fica de lição é que sempre é bom tentar se antecipar na resolução dos problemas. Quanto antes, melhor — frisa o diretor.
Fundada em 1962, a Navegação Guarita opera com cerca de 200 funcionários. Durante a recessão, conseguiu expandir o número de cargas transportadas, o que resultou em alívio para os cofres, conta Barreiro. Entre as mercadorias embarcadas em seus 18 navios, estão derivados de petróleo, soja, fertilizantes e couro.
Tire suas dúvidas
O que é recuperação judicial? É uma opção jurídica que empresas adotam para tentar superar crises financeiras, com a possibilidade de renegociar dívidas e, ao mesmo tempo, manter operações e empregos. Por meio dos pedidos, busca-se evitar falências.
Como é solicitada? Por meio da Justiça. Com a aceitação do pedido, a empresa tem prazo de proteção de 180 dias contra execuções dos credores. Em 60 dias, deve apresentar o plano de como tentará sair da crise financeira. Para seguir em frente, o documento depende de aprovação em assembleia geral de credores.
E as dívidas? As condições dos pagamentos devem constar no plano de recuperação. O texto deve apresentar todas as medidas _ como parcelamentos e vendas de ativos _ para conseguir gerar caixa e tentar superar a crise financeira.
O que acontece se a empresa não pagar as dívidas? É decretada a falência.
24/06/2018