A recuperação judicial da operadora Oi pode ser o gatilho que investidores esperavam para deflagar a consolidação do setor de telecomunicações no país. A Oi tem pela frente um percurso longo, mas importante para equalizar a dívida de R$ 65,4 bilhões e arrumar sua estrutura de capital. Essa é uma condição que investidores estrangeiros sempre consideraram essencial para arriscar uma proposta de fusão ou aquisição.
O caminho não será fácil. A empresa, que já enfrentava dificuldades de investimento antes mesmo da recuperação judicial, terá pela frente o agravamento dos resultados operacionais e um cenário competitivo mais agressivo, segundo analistas. A Oi investiu pouco mais de R$ 1 bilhão no ano passado, ante R$ 7,6 bilhões da Telefônica Vivo, por exemplo. A falta de recursos da Oi transmite aos rivais uma imagem de fragilidade.
O crescimento do lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) da Oi será limitado ao menos pelos próximos três anos, devido à perda de clientes em linhas fixas e móveis, e a empresa precisará reforçar os investimentos por anos para se equiparar aos concorrentes, diz o UBS.
O 'sangramento' da carteira de clientes poderá ocorrer principalmente no segmento corporativo e de pequenas e médias empresas, segundo executivos do setor. Embora a carteira corporativa da Oi seja de 7,2 milhões de conexões e linhas - pouco mais de 10% dos 70 milhões da empresa -, é na área empresarial que são geradas as maiores receitas. Os contratos são assinados por dois ou três anos, mas aqueles que estão próximos de vencer devem virar alvo de ataque de rivais, dizem as fontes.
Os vendedores das outras teles já estão com os argumentos prontos para tentar convencer as empresas a não renovarem seus contratos com a Oi e migrar de fornecedor.
O Brasil já era considerado um mercado de três concorrentes mesmo antes da recuperação judicial da Oi, disse o analista Walter Piecyk, da casa de análise americana BTIG, pela longa incapacidade de investimento da tele. "Não esperamos que os investidores voltem correndo ao Brasil, pois a Oi oferecia pouco risco competitivo à indústria mesmo antes do inevitável pedido de recuperação judicial, mas pode valer a pena colocar o Brasil de volta no radar, conforme o cenário melhora e o país avança em uma mudança política", disse.
Estudo do Morgan Stanley que mede a concentração de mercado com base na fatia de cada empresa mostra que, em 2015, o Brasil era um dos mercados mais competitivos, próximo da Índia. Mercados como Reino Unido, Itália, Alemanha e Chile tinham menos concorrência. Contudo, pressionando contra a concentração, em maio a Comissão Europeia vetou a proposta de aquisição da unidade britânica da Telefónica, a O2, pela CK Hutchison.
Para uma fonte do setor de telecomunicação, o desempenho da Oi não tem a ver com sua condição financeira, pois onde há competição a Oi já vinha perdendo mercado com a deterioração da qualidade de seus serviços. Mesmo com dívida líquida acima de R$ 30 bilhões desde 2013, a Oi não deixou de efetuar o pagamentos de dividendos e juros sobre capital próprio. Por isso, os acionistas eram acusados de pensar no retorno do capital em detrimento da saúde financeira da empresa. O que muda agora com a recuperação judicial é a confiança de quem vai comprar o serviço da empresa, disse.
"A consolidação do mercado brasileiro de telecomunicações esteve no radar por muitos anos, mas a elevada dívida da Oi sempre foi um dos principais impedimentos para esse movimento. Assim, caso a reestruturação da Oi tenha sucesso e sua estrutura de capital melhore, podemos ver a consolidação no futuro", afirmou Ricardo França, da Bradesco Corretora.
Para outra fonte, entretanto, a Oi não está livre de ser atacada por outro investidor que queira apenas "tirar dinheiro da empresa".
Telecomunicação não têm grande número de fusões e aquisições a cada ano, mas as transações costumam ser de valores relevantes. Apesar do processo de recuperação judicial da Oi, Luis Motta, sócio da KPMG, vê oportunidade em negócios de menor monta, como torres, redes e produtos de valor agregado digitais, como conteúdo.
Os movimentos de consolidação ocorrem no mundo todo. "As empresas estão se capitalizando para fazer os investimentos necessários e para a rede fixa ter alguma sobrevida nas operações", disse Rogério Gollo, sócio da PwC e especialista e fusões e aquisições. "A consolidação deve ocorrer entre os atuais concorrentes do setor, talvez com a entrada de um novo acionista, mas com a diminuição do total de competidores", afirma.
Na telefonia fixa, a Oi possui a segunda maior rede do mundo, com 8,2 milhões de km2, atrás da companhia russa Rostelecom, com 17,1 milhões de km2.
O que poderia ser uma vantagem competitiva para a Oi acabou se revelando uma fraqueza. O país contava com 65 milhões de linhas fixas instaladas no ano passado, mas pela demanda do mercado apenas 43,7 milhões de linhas estavam em serviço. No primeiro trimestre deste ano, o número de linhas caiu para cerca de 43 milhões, informa a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Apesar de ser dona da maior rede do país, a Oi detém 34,41% de participação no serviço fixo, praticamente empatada com a Vivo, que 34,42% e é concessionária no Estado de São Paulo. Agora com a GVT, a Vivo leva a telefonia fixa em nível nacional. A queda de participação da Oi começou em 2013, quando sua fatia era de 42%, segundo a consultoria Teleco. Em dois anos, recuou 7 pontos percentuais. Suas concorrentes, ao contrário, tiveram um pequeno crescimento. A Vivo avançou 2 pontos e o grupo Claro, 4,6 pontos.
O fato é que a telefonia fixa não é mais um bom negócio para nenhuma das empresas. A Oi ficou com a posse de uma rede gigante sem uma equação para tirar mais receita dela. É dominante em sua área de concessão, mas perde para concorrentes autorizados que não têm de atender às exigências da Anatel. Se não há competição em uma região, é porque é deficitária.
A Oi também enfrenta obstáculos na telefonia celular, banda larga e TV por assinatura. Mas não vai sair do mercado, afirma Arthur Barrionuevo, professor de economia da FGV-Escola de Administração de Empresas de São Paulo. Pode desaparecer a entidade, mas os ativos voltam para a União e são novamente licitados, ou entram novos sócios, disse.
"Historicamente, movimentos semelhantes em outros setores aceleram processos de fusões e aquisições. De um lado estão os clientes com contratos e serviços; de outro, bancos e fornecedores expostos, portanto existe uma pressão para que uma solução seja dada e uma das mais frequentes é a fusão ou aquisição, porque é rápida", disse Viktor Andrade, sócio de Fusões e Aquisições na EY Brasil.